quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Crônica - Tempestade e democracia



Árvores tombaram e seus galhos deitaram fios da rede de energia elétrica e de telefonia. Alguns postes não resistiram e o vento não perdoou fachadas de algumas lojas. Se não foi um ciclone, a manifestação furiosa da natureza pode ser caracterizada ao menos como uma tempestada.
Como é de hábito, poderia ser dito que aquilo foi a resposta para tantos estragos causados pelo homem ao longo dos anos contra o meio ambiente. Mesmo de forma simplista, puxa-se o gancho ecológico e dá-se justificativas: desmatamento, poluição industrial e tantas outras atrocidades.
Mas é difícil se conter e impor limites. Acontece que a revolta da mãe natureza foi às vésperas de uma importante decisão: o segundo turno das eleições presidenciais, no domingo, dia 31 de outubro, dava um fecho a um período eleitoral tão medonho quanto um tsunami.
Mas com direito a cenas hiláricas e até vergonhosas, de falas agressivas e infundadas, afirmações irônicas, gestos destemperados e guerrinhas infantis. Bolinha de papel, rolo de adesivo e balão de água renderam discussões acaloradas e roubaram minutos preciosos do bom debate.
Na TV, no rádio, no jornal, nos balcões das lancheterias, nas mesas dos restaurantes, na fila do ônibus, no guichê do banco e naquelas sombras das praças londrinenses onde os pombos ainda poupam os cidadãos embaixo das árvores com seus tiros fisiológicos certeiros nas camisas de cores claras. Enfim, em todos os lugares, as conversas propositivas foram trocadas por impropérios que deram gosto ruim na boca e amargura no coração.
Verdade, jamais a mãe natureza misturaria água boa com fermentado de baixa qualidade. Mas que pareceu um aviso, isso sim. Até porque em determinados momentos dessa guerrinha a pureza da fé foi usurpada e alimentou embates despropositais, com pecados cometidos por todos os lados envolvidos: políticos, igrejas, mais políticos e mais igrejas.
Então fez-se a tempestade nas vésperas. O 31 de outubro devia ser o dia seguinte, da reconstrução. Quem sabe a democracia tenha conduzido este país para um futuro sem ciclones. O povo merece, mas como saber o que acontece na cabeça dos governantes? É admissível, infelizmente, imaginar que a democracia morreu no momento em que a última urna com os votos dos eleitores foi fechada. Isso é triste, muito triste. Tão triste quanto ter que relacionar as tempestades com as eleições, duas coisas que não tem nada a ver.
Então cabe ao eleitor, desde já, abrir o jazigo e colocar a democracia a funcionar. Eleitos e perdedores jamais terão a coragem de quebrar o cimento desse túmulo que eles mesmo fecharam.
Vamos lá!

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