sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Crônica - Trinta e poucos graus



Almoçou feito um cavalo. Jogado numa cadeira de encosto duro ele quase ruminava, indiferente à reação das mulheres que faziam a limpeza do lugar.

Meio-dia e pouco é um horário complicado numa sexta-feira de sol forte e calor insuportável, quase batendo os trinta e cinco graus.

O duro é que não venta. Nem um soprinho balança uma folha de árvore. No estômago do fulano, o feijão e o arroz esquentam junto com a pimenta e o pedaço de lingüiça pura, de suíno. E na marmita havia um gomo inteiro dela, de bom tamanho.

O resultado é uma quentura que sai do corpo pela pele e molha a camisa nas axilas, nas costas e na altura dos peitos.

A porta principal da empresa está fechada para o almoço. Ainda assim o fulano tem que se conter. A frente é de vidro e o pessoal da limpeza está ali, disfarçando no olhar e rindo.

Impossível abrir a camisa. Bocejo só com muito cuidado. E aquele arroto tenta sair. Se houver um esforço para contê-lo, é certo que ele saia silencioso e possa ser confundido com uma engolida seca.

Os olhos são dois cortes feitos de estiletes na cara. Parece que fulano sorri sem parar. Que nada. É que as pálpebras fecham pesadas, ao mesmo tempo em que as vozes das moças que passam pano no chão e expulsam a poeira dos balcões com trapos ficam distantes e confusas.

O sono faz a cabeça pender para frente. O suor escorre. O ponteiro de segundos do relógio de puslo dá voltas. E o ronco, alto, que se escuta mesmo dormindo.

O despertar, cinco ou seis minutos depois, acontece num susto. Lá fora, pelo vidro, se vê a outra metade do dia se abrindo desafiadora, calorenta, cansativa, mas promissora. Pois é uma sexta-feira.

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