quarta-feira, 28 de julho de 2010

Crônica - Para o descanso o cabo do enxadão

Um dia disseram que ele era um agricultor. Escorado no cabo do enxadão, ele ajeitou o chapéu de palha de modo a proteger os olhos do sol que descia de frente e ao mesmo tempo ajeitar os cabelos ralos jogados para trás, lisos, molhados de suor e desalinhados nas pontas. Há uma semana ele havia planejado uma ida ao bairro mais próximo do sítio de oito alqueires que administrava. Teve que adiar. Assim, deixou também para quando desse a passagem pela barbearia. Foi deste jeito demorado, igual o tempo entre o final da primeira frase do texto até agora, que ele demorou para então responder, com pausa, mas fala segura:

- Que agricultor que nada. Eu sempre trabalhei na roça, mas fazendo de um a tudo. Mas nunca fui dono de terra. Até hoje sou empregado e por um bom tempo nem carteira assinada tive.

Tentaram explicar que agricultor é quem lida com a terra. Não precisa ser dono dela. Até porque, hoje em dia, tem proprietário de fazenda que não sabe nem distinguir um boi de uma vaca. Verdade. Tem médico dono de terra, tem arquiteto fazendeiro, tem político, assessor de político, parente de político, conhecido de político e apadrinhado de político com muitos alqueires registrados em cartório.

Argumentaram que agricultor é quem produz da terra. Ara, planta, cultiva, capina, colhe e comercializa. Também cria aves, suínos ou bovinos, usando de recursos simples ou tecnificados para engordar os animais. Enfim, agricultor é quem extrai da terra e de outros recursos naturais para produzir alimentos.

Como ainda ele permanecesse escorado no cabo do enxadão, com um jeito de não ligar para nada daquilo que lhe dissessem, sofisticaram a conversa. Disseram da preocupação mundial sobre a segurança alimentar, que o mundo inteiro estava com os olhos no campo para garantir que o agricultor produzisse bem e melhor. E ele, portanto, era um agricultor.

- Vieram aqui uns técnicos e disseram a mesma coisa. Colocaram uns reparos aqui e ali das coisas que eu estou fazendo. Mas o agricultor aqui é o patrão. Eu só tomo conta. Faço de tudo, até conserto a cerca quando preciso. Aro a terra, planto, cuido, colho. Que comercializa é o patrão.

Assim se foi mais um 28 de julho, Dia do Agricultor. No Norte do Paraná fez sol de verão, com os termômetros em 25 graus centígrados lá pelas quatro da tarde. Amanheceu com um ventinho frio e as nuvens enganaram até por volta das nove da manhã, com um jeitão de chuva.

Café da manhã, almoço, lanche da tarde e janta. Tudo teve um pouco do conhecimento do homem escorado no cabo do enxadão. Aquele que faz tudo, mas não se considera um agricultor.

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