A moça se veste de santa e se encapa de talento. Interpreta algo divino, além das personagens da terra que são sólidas, não onipresentes e muito menos onipotentes. Ela tenta e até consegue. Mantém em seus braços o boneco de uma criança que mexe as mãos. Fruto de uma engenharia simples, mas de resposta imediata diante de um público carente de apelos religiosos.
Quem faz o boneco da criança ter vida é a moça que interpreta a santa. Pelas costas ela enfia os dedos nos braços do boneco. Os dedos da moça mexem, os braços obedecem. A cada cédula de um ou dois reais depositados na caixa de sapatos colocado ao pé da santa que é atriz, a moça mexe os dedos e o boneco obedece simulando um agradecimento com os braços. A pessoa que fez a doação também leva uma mensagem entregue pelo boneco.
Isso comove, mexe com sentimentos, atiça o lado espiritual de cada ser humano que transita pelo Calçadão de Londrina e pára diante do espetáculo. Não se pode dizer que aquilo seja exploração da fé. A moça usa seu talento para defender o pão de cada dia e garantir o seu sustento e talvez também de uma criança, que não é o boneco que mexe os braços e entrega uma mensagem de agradecimento, mas é uma vida. Talvez um filho ou filha, um irmão ou irmã, um sobrinho ou sobrinha, uma mãe, um pai, um parente, um conhecido. As pessoas que a rodeiam e deixam cédulas ou moedas na caixinha estão ávidas por gestos espirituais num ambiente cercado de interesses materiais.
É uma espécie de reconhecimento de ambos os lados. Agradece-se por um momento de reflexão com dinheiro. Retribui-se com uma mensagem provavelmente simples, mas que para algumas pessoas é o que faltava naquele instante. Tal qual acontece logo em frente, com outro ator que se pinta de negro e faz diariamente o manequim vivo de um Calçadão destroçado após a destruição dos quiosques que abrigavam o comércio de lanches, revistas e jornais. Ele oferece um espetáculo, as pessoas que apreciam ajudam com as moedas.
Reforça-se: são dois talentos. Superiores ao dos homens que aparecem naquele lugar somente às vésperas de eleições. Interpretam pessoas preocupadas com o bem-estar dos outros. Interpretam educação e simpatia. Interpretam seriedade. Interpretam boa vontade. Depois dos votos nas urnas somem para os gabinetes e assumem carrancas, interesses pessoais e de amigos, antipatia e medo de apertar as mãos das pessoas que apreciam personagens como a moça que se faz de santa e o rapaz que simula ser uma estátua.
Há 3 anos
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