A comida nunca chega quentinha. Veja que o arroz e o feijão tem uma quentura de banho-maria, quase um morno, às vezes chegando ao frio. Entre o comer e o largar tudo no prato escolhe-se, normalmente, a terceira alternativa: saciar a fome.
É a opção do almoço para João, Maria, José, Marlene, Manoel, Regina, Ricardo, Samara e tantos mais. Trabalhadores, eles manipulam a necessidade de se alimentar com estripulias. Perto do pagamento, o peso do self-service é mais digestível. Longe do pagamento, come-se menos.
Hoje João encheu o prato de folhas. O alface, a couve, o agrião e a acelga deram cor verde ao bandeijão, que ficou leve e custou pouco. Maria enfeitou a sua salada de repolho com o alaranjado da cenoura em rodelas. José justificou indisposição. Mas pegou arroz, feijão e nada mais, em quantidade do organismo aceitar sem queixa mesmo que o seu dono reclame de enjôo.
“Isto aqui não é um restaurante, é um ponto de encontro”, gritou Marlene, lá de um can to, quando colocaram reparos no tamanho do seu prato: um raso de salada, um rasinho de arroz e uma tirinha de carne. “Eu também não sinto fome no almoço, mas tenho que sair do escritório pelo menos nesse horário senão o dia fica mais longe”, acrescentou Manoel, que escolheu apenas um pedaço de lasanha e um arroz com feijão.
Ambos arrancaram olhares de consentimento e frases tímidas de aprovação. Outras marias e outros joãos, josés, manueis, marlenes e reginas também faziam o almoço de alguns dias antes do pagamento. Era prudência, muito mais do que regime alimentar ou indisposição. Com pratos feitos na proporção das economias que ainda restavam nas carteiras e nas bolsas.
Refeição de trabalhador tem tamanho e dia certo. Nunca o apetite é igual. Normal mesmo, pelo menos naquele restaurante, é a silenciosa compreensão da capacidade de cada frequentador de saber os apertos dos outros, colegas ou conhecidos eventuais que dividem mesas e circunstâncias na hora do almoço. É uma espécie de solidariedade.
Há 3 anos
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