segunda-feira, 7 de junho de 2010

Crônica - Eu vou plantar couve, mulher



Lá pelos idos de antigamente Vanuso conseguiu um emprego na prefeitura da cidade onde morava. Na repartição onde teve que se apresentar para entregar a documentação e fazer o exame médico, informaram ao dito cujo que ele seria um coveiro.

"Ótimo!" - pensou o crioulinho. "Lidar com horta é comigo mesmo." Vanuso era um apelido irônico, mas ao mesmo tempo carinhoso que os amigos deram. Na época, uma grande intérprete da música popular brasileira fazia sucesso nas rádios não somente pelo talento e pela voz, mas também pela beleza. A cantora era de um loiro extraordinariamente dourado. Ao que parece, eram tons naturais da pele e dos cabelos. Bem ao contrário do Vanuso que conseguiu emprego de coveiro.

Mas isso não vem ao caso, é apenas um detalhe. O fato é que o emprego empolgou o homem, que não via a hora de chegar em casa e contar para a mulher e os filhos que estava empregado. Melhor ainda: numa vaga que aproveitava o seu conhecimento com a agricultura.

Papéis preenchidos, entrevistas feitas e exame médico entregue no departamento de pessoal, lá foi Vanuso, correndo para o bairro onde morava. A pé, o percurso levava uns quarenta minutos. De tão apressado, Vanuso cumpriu o trajeto em trinta e três e meio, se é que o ponteiro de minutos do relógio, um tanto solto, não havia trepidado em trecho de mais solavancos. Lá do portão feito de balaústra ele gritou:

- Mulher, eu vou trabalhar na agricultura. Fui contratado como coveiro da prefeitura.

Foi aquela festa. A molecada fez até a lista de necessidades: estojo novo para fulano, bola de capotão para uso geral, bolsa comprada no bazar da esquina e assim por diante.

Três dias depois Vanuso se apresentou na repartição, que deu o endereço de onde ele iria trabalhar:

- Este endereço é aqui no centro...

- Sim, uns quarteirões adiante. Nem precisa esperar o carro que vai levar o pessoal para longe. Segue aqui, dobre ali e contorne à direita. Vai dar de cara...

Vanuso seguiu a orientação e chegou ao endereço. Caiu na portaria do cemitério municipal. Lá estava o administrador, para quem Vanuso perguntou, indignado:

- Mas como eu vou plantar couve aqui no cemitério? O senhor me explica.

Entre hilárico e desaforado o administrador foi na jugular:

- Homem, o senhor foi contratado como coveiro, e não couveiro. Plantar couve só no quintal da sua casa. Aqui o senhor vai cavar para enterrar morto.

Dito isto deu a pá para o novo subordinado, que por anos trabalhou com zelo, dedicação e respeito aos falecidos e seus parentes.

Esta crônica foi extraída de um caso real. Entrevistei Vanuso anos atrás e fiz uma reportagem com ele, publicada num jornal daqui de Londrina. Vanuso, a quem tenho muito admiração, trabalhou por muito tempo no Cemitério São Pedro e depois eu o vi, há um bocado de anos, no Cemitério Padre Anchieta. Ele já estava com os cabelos branquinhos, quase iguais aos da Vanusa cantora.

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