segunda-feira, 21 de junho de 2010

Crônica - Personalidade plena

Lá pelo início da carreira, repórter iniciante da Folha de Londrina - daqueles que os mais velhos chamam de foca -, recebi uma pauta desafiadora: um evento sobre planejamento familiar.

Entenda: desafiadora porque repórter experiente faz cara feia quando é designado para determinadas coberturas. E evento é aquilo que se acompanha, não se investiga, não se fuça. A não ser que o profissional de jornalismo saia da pauta e procure, talvez na esquina próxima, um fato real que tenha a ver com o que é discutido lá dentro.

Nesse evento que fui designado veio um médico brasileiro lá do Nordeste, muito conceituado no Brasil e no exterior. Tremi. O que fazer diante de uma sumidade? E se eu não souber fazer as perguntas certas? E se o cara perceber a minha insegurança?

Telefonei para os organizadores e busquei o maior número de informações sobre o médico. Indaguei sobre os projetos que ele desenvolvia, a especialização e, aquela pergunta básica: por que ele é tão importante em sua especialidade?

Também com os organizadores consegui uma exclusiva. Cheguei meia hora antes e me estatelei num sofá do hotel onde seria realizado o evento. O médico foi pontual. Alto, magro e metido num terno preto, ele sentou-se a minha frente. Fomos apresentados e dali não tive dúvidas que estava diante da oportunidade de produzir uma boa matéria.

Sabe por que? A modéstia, a educação, a simplicidade daquele cara eram tão perceptíveis quanto o conhecimento que ele tinha em sua especialidade. Tratei com ele de um tema complexo, polêmico, muito importante. Me senti seguro no momento de fazer as perguntas e de escrever. Consegui colocar no papel num assunto científico de um jeito que o mais simples leitor pudesse entender.

Depois da entrevista, antes dele se dirigir à sala de reuniões, conversamos rapidamente sobre outros assuntos. O ombro do terno dele descia até pedaço dos braços. Quando cruzou as pernas vi nos pés daquele ilustre profissional um par de Vulcabrás. E me senti muito mais à vontade.

Voltei para a redação com a firme determinação de escrever um texto claro, objetivo, correto nas informações e acessível para todos. Aquele cara merecia ser mostrado tanto quanto os projetos que ele desenvolvia e as causas que ele defendia.

Eu consegui. E aprendi a escrever de um jeito simples, sem vícios, sem frescuras, sem esnobismo. Aprendi também a ser modesto e simples, a andar de acordo com as minhas capacidades, inclusive no jeito de vestir. Aprendi, enfim, a ser um jornalista.

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