A minha mesa ficava ao lado de uma janela que dava para o nada. Do lado de lá, a parede de um edifício. Do lado de cá, uma rua sem saída. Ninguém queria aquele canto, mas era o meu espaço. Ali eu passava o dia.
Era o meu segundo lar, onde, furtivamente, eu me pegava abrindo a gaveta da escrivaninha sorrateiramente para comer, sem que ninguém percebesse, um pedaço de bolo trazido de casa. Em outras ocasiões, disfarçava para acertar os canos das meias, quando eles desciam até os calcanhares.
As pessoas que me cercavam tinham a tendência de ficarem difusas. Ora eu interagia com rostos amigos, que depois se transformavam em estranhas feições de desafeto. Ora eu estranhava por ver na escrivaninha do lado um parente que há tempos eu não via. Mas num repente aquele companheiro virava um desconhecido.
Como na vida. Amigos viravam desafetos. Parentes eram desconhecidos. Houve no sonho um momento de confusão. O ambiente de trabalhou mudou para uma sala. Havia um jogo de sofá que não me era estranho. E veio minha mãe com um copo de café quente. Então no próprio sonho eu pensei que estava sonhando.
Ainda assim eu persisti no trabalho que estava desenvolvendo. Eu não sabia para o que era. Desconhecia finalidades, objetivos e metas. Estranhava não saber para quem eu trabalhava. Assustava perceber a minha escrivaninha trocada por um sofá. Mas eu estava trabalhando.
Foi quando eu acordei ainda sob a opaca cor da madrugada que chegava ao fim. Antes, muito antes do sol atravessar a veneziana. Antes do raio de luz forte apontar para o meu rosto, na manhã de um sábado, 1º de maio, Dia do Trabalho, e me acusar quase que impiedosamente: Você é um desempregado.
Há 3 anos
Nenhum comentário:
Postar um comentário