quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Crônica - Tempestade e democracia



Árvores tombaram e seus galhos deitaram fios da rede de energia elétrica e de telefonia. Alguns postes não resistiram e o vento não perdoou fachadas de algumas lojas. Se não foi um ciclone, a manifestação furiosa da natureza pode ser caracterizada ao menos como uma tempestada.
Como é de hábito, poderia ser dito que aquilo foi a resposta para tantos estragos causados pelo homem ao longo dos anos contra o meio ambiente. Mesmo de forma simplista, puxa-se o gancho ecológico e dá-se justificativas: desmatamento, poluição industrial e tantas outras atrocidades.
Mas é difícil se conter e impor limites. Acontece que a revolta da mãe natureza foi às vésperas de uma importante decisão: o segundo turno das eleições presidenciais, no domingo, dia 31 de outubro, dava um fecho a um período eleitoral tão medonho quanto um tsunami.
Mas com direito a cenas hiláricas e até vergonhosas, de falas agressivas e infundadas, afirmações irônicas, gestos destemperados e guerrinhas infantis. Bolinha de papel, rolo de adesivo e balão de água renderam discussões acaloradas e roubaram minutos preciosos do bom debate.
Na TV, no rádio, no jornal, nos balcões das lancheterias, nas mesas dos restaurantes, na fila do ônibus, no guichê do banco e naquelas sombras das praças londrinenses onde os pombos ainda poupam os cidadãos embaixo das árvores com seus tiros fisiológicos certeiros nas camisas de cores claras. Enfim, em todos os lugares, as conversas propositivas foram trocadas por impropérios que deram gosto ruim na boca e amargura no coração.
Verdade, jamais a mãe natureza misturaria água boa com fermentado de baixa qualidade. Mas que pareceu um aviso, isso sim. Até porque em determinados momentos dessa guerrinha a pureza da fé foi usurpada e alimentou embates despropositais, com pecados cometidos por todos os lados envolvidos: políticos, igrejas, mais políticos e mais igrejas.
Então fez-se a tempestade nas vésperas. O 31 de outubro devia ser o dia seguinte, da reconstrução. Quem sabe a democracia tenha conduzido este país para um futuro sem ciclones. O povo merece, mas como saber o que acontece na cabeça dos governantes? É admissível, infelizmente, imaginar que a democracia morreu no momento em que a última urna com os votos dos eleitores foi fechada. Isso é triste, muito triste. Tão triste quanto ter que relacionar as tempestades com as eleições, duas coisas que não tem nada a ver.
Então cabe ao eleitor, desde já, abrir o jazigo e colocar a democracia a funcionar. Eleitos e perdedores jamais terão a coragem de quebrar o cimento desse túmulo que eles mesmo fecharam.
Vamos lá!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Artigo - Jogo com lance de primeira


Artigo – Marina e o PV jogam de primeira

Ela e os verdes acabam de mostrar que, no momento, estão acima do oportunismo. Jogaram os dois times que estão em campo para o escanteio com um lance de arrepiar a galera brasileira. Politicamente, responderam aos assédios de ambos os lados com uma posição firme e clara: vocês não prestam.

Claro, deve ter pesado na decisão de neutralidade de Marina Silva a fidelidade com os seus eleitores. É incontestável que os 20 milhões de eleitores brasileiros que votaram na candidata do PV no primeiro turno das Eleições de 2010 não queriam nem tucanos e nem petistas no comando deste país. Se Marina Silva optasse por apoiar um ou outro estaria cometendo uma imperdoável traição a estes eleitores que tentaram dar uma nova cara ao Brasil político.

Fora isso, o que satisfaz e tranqüiliza é que o PV tem entre seus filiados políticos de personalidade. Fernando Gabeira, seu membro-fundador, é um homem de respeito. E a própria Marina Silva, a partir desta posição tomada no dia 17 de outubro de 2010, já nas vésperas do segundo turno, tem pela frente um horizonte promissor.

Se recebeu este ano 20 milhões de votos ainda com um posicionamento radical em relação a determinados temas nacionais, com certeza, com as experiências da votação expressiva e da neutralidade no segundo turno amadurecerá. Mas o trocadilho não poderá prevalecer no conceito político. Marina deverá continuar verde, convicta do que diz e defende.

O Brasil precisa muito de políticos assim. Chega de oportunistas. Tiriricas nós já temos de monte.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Destaque - O outubro é rosa



O Movimento Internacional Outubro Rosa está presente no Norte do Paraná. Em Cambé, a fonte luminosa da Praça Getúlio Vargas, em frente ao prédio da Prefeitura, permanece todas as noites destacando a cor rosa.

A iniciativa é da Associação de Proteção à Maternidade e à Infância e o ato simbólico é para conscientizar a população sobre o câncer de mama e sensibilizá-la da importância do diagnóstico precoce.

Além da iluminação da fonte, um material informativo orienta sobre a mamografia e o auto-exame. “Faça o auto-exame, mas lembre-se que ele não substitui os exames feitos pelos especialistas”, recomenda, após esclarecer que no Brasil são cinco novos casos por hora.

O material ensina como fazer o auto-exame e informa sobre fatores de risco e prevenção. Nos anos 50, por exemplo, as chances de cura eram de 30%. Hoje, se diagnosticado precocemente, as chances de cura chegam a 95%.

São fatores de risco do câncer de mama o histórico familiar da doença, a alimentação com elevado consumo de gordura animal, a primeira gravidez após os 30 anos de idade, a menopausa acima dos 50 anos e o consumo de bebidas alcoólicas e cigarro.

Entre os comportamentos que ajudam na prevenção constam no material informativo a manutenção do peso ideal, a prática de atividade física, a dieta alimentar saudável e a realização periódica dos exames de mama.

A recomendação sobre o auto-exame é reforçada, para que seja feito mensalmente como forma de prevenção, mas seguida pelo alerta: “Não se esqueça que o procedimento não substitui o exame realizado por um especialista”.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Homenagem à Mãe Aparecida



O 12 de outubro é especial. Porque é das Crianças. Porque é de Nossa Senhora Aparecida. Porque é do Brasil e dos brasileiros.

Em Londrina, as comemorações foram concentradas na Vila Nova, onde o Santuário de Aparecida acolheu romeiros de toda a região durante o dia todo. As missas foram celebradas a partir da 6h15, prosseguindo até o final da tarde, com uma celebração na praça em frente à Paróquia.

Nas homílias, o que mais se ouviu foi um apelo para a consciência nacional. Sem forçar a barra, os celebrantes pediram à benção de Nossa Senhora Aparecida para que saibamos, inclusive, como eleitores saber escolher candidatos que sejam dignos e éticos e que atuem em defesa dos brasileiros, e não de seus interesses pessoais.

É este o Brasil que queremos para as nossas crianças. Mas para todas as crianças brasileiras, e não somente àquelas que são vítimas de homens que se rendem à corrupção, ao jeitinho, aos favores e influências.

As crianças precisam de homens que possam mirar, sem constrangimento, a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida.


CONSAGRAÇÃO A NOSSA SENHORA APARECIDA

Ó Maria Santíssima, que em vossa querida Imagem de Aparecida espalhais inúmeros benefícios sobre todo o Brasil, eu, embora indigno de pertencer ao número dos vossos filhos e filhas, mas cheio do desejo de participar dos benefícios de vossa misericórdia, prostrado a vossos pés, consagro-vos o meu entendimento, para que sempre pense no amor que mereceis. Consagro-vos minha língua, para que sempre vos louve e propague a vossa devoção. Consagro-vos o meu coração, para que, depois de Deus, vos ame sobre todas as coisas.

Recebei-me, ó Rainha incomparável, no ditoso número de vossos filhos e filhas. Acolhei-me debaixo de vossa proteção. Socorrei-me em todas as minhas necessidades espirituais e temporais e, sobretudo, na hora de minha morte.

Abençoai-me, ó Mãe Celestial, e com vossa poderosa intercessão fortalecei-me em minha fraqueza, a fim de que, servindo-vos fielmente nesta vida, possa louvar-vos, amar-vos e dar-vos graças no céu, por toda a eternidade.

Assim Seja.

Este pequeno texto e as imagens são publicadas simultaneamente neste blog e em dois outros com os seguintes endereços:

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Estatística dos candidatos - O que temos?



A estatística do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pode ser conferida na Internet (http://www.tse.gov.br/internet/eleicoes/estatistica2010/est_candidatura.html), tem informações importantes sobre os candidatos de todo o Brasil que disputam cargos majoritários e proporcionais nas eleições do dia 3 de outubro.

Lá estão disponíveis dados como grau de instrução e ocupação de candidatos a presidente e seu vice, governador e seu vice, senador e seu suplente, deputados federais e estaduais. A estatística é também por sexo, faixa etária, estado civil, coligação, partido entre outros.

Na atualização do dia 28 de setembro, terça-feira, o Paraná tem 1.032 candidatos. Esse número considera todas as candidaturas que foram feitas no prazo legal no Tribunal Regional Eleitoral.

Se considerados apenas os candidatos aptos, o número de candidatos cai para 889. Consideram-se aptos: as candidaturas deferidas, as candidaturas indeferidas com recurso, as candidaturas deferidas com recurso e os substitutivos majoritários pendentes de julgamento.

Vamos mostrar o grau de instrução da totalidade dos candidatos paranaenses, considerando-se que, do total, mesmo os que já foram considerados inaptos tiveram a pretensão de um cargo público eletivo.

Todos os sete candidatos a governador e seus sete candidatos a vice tem curso superior completo. Dos 12 candidatos ao Senado, três tem o ensino médio completo e nove tem o curso superior completo. Dos candidatos à primeira suplência no Senado, sete tem o ensino médio completo, um tem o superior incompleto e seis tem o curso superior completo. Dos candidatos à segunda suplência ao Senado, dois tem o ensino fundamental completo, três tem o superior incompleto e nove tem o superior completo.

Entre os candidatos a deputado federal, três declararam que sabem ler e escrever, dez tem o ensino fundamental incompleto, 22 tem o ensino fundamental completo, 20 tem o ensino médio incompleto, 94 tem o ensino médio completo, 22 tem o ensino superior incompleto e 166 tem o ensino superior completo.

Dos candidatos a deputado estadual do Paraná, sete declararam que sabem ler e escrever, 11 tem o ensino fundamental incompleto, 44 tem o ensino fundamental completo, 16 tem o ensino médio incompleto, 174 tem o ensino médio completo, 66 tem o ensino superior incompleto e 323 tem o ensino superior completo.

Na próxima postagem, vamos mostrar a ocupação de todos que se candidataram a cargos majoritários ou proporcionais no Paraná, também usando o critério da totalidade, que inclui aqueles que já foram considerados inaptos.

No http://walterogama.blogspot.com, confira quem somos, na estatística do TSE dos eleitores.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Crônica - Conversa de rotatória




- De quem é você?

- Desse aqui oh. Dá uma balançada com o vento e olha.

- Hum... Não me parece ficha limpa.

- E quem é? Tem algum aqui nessa rotatória?

- O meu diz que é. Ele está na Câmara dos Deputados há mais de 20 anos. Você acha que se não fosse o pessoal votaria nele?

- Quer que eu dê risada ou aproveite o vento para cair? O meu também tem história na política. Está indo para o sétimo mandato na Câmara.

- Não sei não. Com essa cara lavada não engana ninguém.

- Olha, esse aqui não tem mancha não. Fora o apartamento onde mora com a família não tem mais nada no nome dele.

- Então ele é um grande colecionador de laranjas? Aquele fazenda lá no interior que ele ganhou quando negociou isenções para aquele grupo econômico? Está no nome de quem? Do irmão, do assessor, da tia?

- Disso eu não havia ouvido nada. Mas já ouvi bochichos sobre o carro que ganhou da cooperativa. Mas a documentação está no nome de um sobrinho. Foi o que fiquei sabendo.

- Tá ai. E ainda acha que ele é sério? O que ele vai fazer com você depois da eleição? Te jogar na fogueira.

- Eu vou ficar guardado no barracão da indústria dele que está no nome de um correligionário. Sou apenas uma placa-cavalete. O que poderia esperar?

- Eu também sou uma placa e para vir trabalhar de propagandista nesta rotatória ganhei uns reparos. Uns preguinhos aqui, uma tinta ali. Veja, estou bem mais conservado que você.

- É? Uns preguinhos aqui e outro ali e tudo bem?

- Melhor do que nada. Você, por exemplo, está despregando na perninha esquerda. Logo vai tombar.

- Eu resisto. A não ser que aquela esperada chuva caia antes da eleição.

- Fico admirado com o seu conformismo. Realmente.

- Como o meu? Devia é estar indignado com o silêncio dos eleitores. Estes é que vão sofrer as consequências.

- Nisso eu concordo. E aquela moça ali, com a bandeira do seu candidato? Ela nem imagina, sob este sol de queimar a moleira, que está ajudando quem não merece.

- É o trabalho dela, né. O ganho pão. Talvez ela nem vote para o candidato da bandeira.

- Coitada. Corre o risco de levar um calote.

- Vai, vamos mudar de assunto. Que tal um vento para a gente virar um pouco?

- É, pode ser. Mas placa só mexe quando venta forte.

- Então aproveita, já que você está mais na borda, o vácuo de um carro para cair e me derrubar também. Assim a gente descansa...

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Crônica - Trinta e poucos graus



Almoçou feito um cavalo. Jogado numa cadeira de encosto duro ele quase ruminava, indiferente à reação das mulheres que faziam a limpeza do lugar.

Meio-dia e pouco é um horário complicado numa sexta-feira de sol forte e calor insuportável, quase batendo os trinta e cinco graus.

O duro é que não venta. Nem um soprinho balança uma folha de árvore. No estômago do fulano, o feijão e o arroz esquentam junto com a pimenta e o pedaço de lingüiça pura, de suíno. E na marmita havia um gomo inteiro dela, de bom tamanho.

O resultado é uma quentura que sai do corpo pela pele e molha a camisa nas axilas, nas costas e na altura dos peitos.

A porta principal da empresa está fechada para o almoço. Ainda assim o fulano tem que se conter. A frente é de vidro e o pessoal da limpeza está ali, disfarçando no olhar e rindo.

Impossível abrir a camisa. Bocejo só com muito cuidado. E aquele arroto tenta sair. Se houver um esforço para contê-lo, é certo que ele saia silencioso e possa ser confundido com uma engolida seca.

Os olhos são dois cortes feitos de estiletes na cara. Parece que fulano sorri sem parar. Que nada. É que as pálpebras fecham pesadas, ao mesmo tempo em que as vozes das moças que passam pano no chão e expulsam a poeira dos balcões com trapos ficam distantes e confusas.

O sono faz a cabeça pender para frente. O suor escorre. O ponteiro de segundos do relógio de puslo dá voltas. E o ronco, alto, que se escuta mesmo dormindo.

O despertar, cinco ou seis minutos depois, acontece num susto. Lá fora, pelo vidro, se vê a outra metade do dia se abrindo desafiadora, calorenta, cansativa, mas promissora. Pois é uma sexta-feira.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Crônica - Um dia de folga

Foi bem num dia de folga do emprego para compensar o plantão de fim de semana. Quarta-feira, véspera da Primavera, tempo bom e o sol se anunciando assanhado. Leila acordou às seis, como de hábito. Preparou o café das crianças e amoleceu no microondas o pão sobrado de dois dias atrás.

Previu um dia cheio. A bacia de plástico cheia de roupas a serem esfregadas estava ali, exposta e inadiável. Na pia, pratos, copos, talheres e canecas pediam água. No chão da cozinha ciscos: pão, bolacha, grão de arroz e caroço de azeitona encaravam a mulher como se perguntassem: “Quando a senhora vai nos recolher?”

Até a revisão final dos outros cômodos da casa foram-se minutos preciosos. Um paninho para tirar o pó dali, camas para arrumar, toalha para trocar e as cortinas, desalinhadas, pedindo acertos.

De volta à área de serviço, Leila ligou o radinho de pilha que, sob sol ou chuva, fica encostado no beiral da janela, do lado de dentro do apartamento, esperando para ser escutado. Cansada das vozes dos locutores de FM, que não falam, gritam e inventam modas vencidas, a mulher mudou o seletor para as AMs.

E então, horário eleitoral gratuito. Foi sair o som e alguém prometeu: “Para os torcedores, estádios de futebol cobertos...” Outro contou que há quinze anos entra na lista de um tal de diap. Um terceiro repetiu a mesma coisa. Alguém falou em mudar o estatuto da criança. E todo mundo tapou o sol com a peneira. Isso é frase de narrador de futebol dos anos 70.

Leila desligou o radinho, esfregou, varreu, passou, enxugou, transpirou, cozinhou, arrumou, ajeitou e nem teve tempo para um descanso no sofá. Terminou o dia de folga exausta, mas com uma possibilidade: ela, que não freqüenta estádio de futebol, espera que aquele vizinho mala, o mesmo que durante os jogos de futebol de seu time soca a parede, sai na janela para falar besteira e grita o tempo todo terá cobertura quando for ao campo.

Uma pesquisa mostra Tiririca na frente no Estado de São Paulo. E daí? São tantos tiriricas disputando vagas nas assembléias legislativas, câmara dos deputados, senado, governos de estados e presidência. Tudo em minúsculo, com o devido respeito à democracia deste país.

Mas Leila, a trabalhadora que compensou o plantão de sábado e domingo com uma folga, tem critério: ela não vota em candidato de cara lavada. E sobra alguém, minha senhora?

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Opinião - Em que acreditar?

Estudo divulgado no início da semana pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) mostra que o índice de desemprego entre as pessoas que concluíram o ensino médio no Brasil é de 6,1% da população ativa, enquanto entre as que não terminaram o curso é de 4,7%.
Os responsáveis pelo levantamento manifestam que o resultado vai na contramão da tendência verificada nos países ricos, onde a melhor formação educacional proporciona mais oportunidades de empregos.
A OCDE tem abrangêcia internacional. O seu estudo, com base no ano de 2010, foi desenvolvido em 38 países. Denominado Olhares sob a Educação 2010, o levantamento tem o objetivo de alinhavar paralelos entre a formação educacional e o emprego.
Outro levantamento, o da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o nosso IBGE, apresenta um resultado contrário.
A pesquisa do IBGE mostra que a população sem trabalho e a procura de emprego subiu para 8,4 milhões de pessoas entre 2008 e 2009 no Brasil, o que significa aumento de 18,3%, considerado a maior taxa de elevação desde 2001. Já a taxa de desemprego, que fechou em 7,1% em 2008, subiu no mesmo período para 8,3%.
Aqui aparece a diferença com o resultado da pesquisa da OCDE. Pelo IBGE, o desemprego é maior entre os trabalhadores que não concluíram o ensino médio: 13,9% em 2008 e 15,4% em 2009. O índice subiu de 8,1% em 2008 para 9,7% em 2009 no universo de trabalhadores que tem o ensino superior incompleto. Já entre os profissionais com o ensino superior completo, o índice foi de 3,6% em 2008 e subiu para 3,7% em 2009.
Deve ser considerado que o período analisado pelo IBGE é o do ano de 2009. Já no estudo da OCDE, o relatório apresentado esta semana tem como base o ano de 2010. Mas, em se tratando de um levantamento, haveria tanta diferença entre um período e outro?
De qualquer forma, parece mais sensato acreditar nos números da OCDE. Pois com base em levantamentos de diferentes fontes de pesquisa, entre os governamentais e os privados, fala-se em aumento da oferta de empregos com ênfase e entusiasmo. Mas pelo que se percebe as oportunidades são mais acentuadas realmente entre os trabalhadores com formação educacional inferior.
Há muita gente escondendo o diploma universitário no fundo da gaveta. E não é pelo prazer de trocar uma vaga na qual sem investiu anos de estudo por alguma atividade Zé, light. É por falta de emprego mesmo e, conseqüentemente, pelas oportunidades nem sempre serem justas.

domingo, 29 de agosto de 2010

Música - Para saber o valor dos cadarços descartados

Sapato Velho, composição de Mu - Claudio Nucci - Paulinho Tapajós, ficou para a eternidade na interpretação de Roupa Nova. No vídeo baixado do Youtube, quem canta é Paulinho Tapajós.

Você lembra, lembra! / Daquele tempo / Eu tinha estrelas nos olhos / Um jeito de herói / Era mais forte e veloz / Que qualquer mocinho / De cowboy...

Você lembra, lembra! / Eu costumava andar / Bem mais de mil léguas / Prá poder buscar / Flores-de-maio azuis / E os seus cabelos enfeitar...

Água da fonte / Cansei de beber / Prá não envelhecer / Como quisesse / Roubar da manhã / Um lindo pôr-de-sol / Hoje não colho mais / As flores-de-maio / Nem sou mais veloz / Como os heróis...

É! Talvez eu seja / Simplesmente / Como um sapato velho / Mas ainda sirvo / Se você quiser / Basta você me calçar / Que eu aqueço o frio / Dos seus pés...

Água da fonte / Cansei de beber / Prá não envelhecer / Como quisesse / Roubar da manhã / Um lindo pôr-de-sol / Hoje não colho mais / As flores-de-maio / Nem sou mais veloz / Como os heróis...

É! Talvez eu seja / Simplesmente / Como um sapato velho / Mas ainda sirvo / Se você quiser / Basta você me calçar / Que eu aqueço o frio Dos seus pés...

Talvez eu seja / Simplesmente / Como um sapato velho / Mas ainda sirvo / Se você quiser / Basta você me calçar / Que eu aqueço o frio Dos seus pés...

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Crônica - Olha ele ai de novo!

A moça se veste de santa e se encapa de talento. Interpreta algo divino, além das personagens da terra que são sólidas, não onipresentes e muito menos onipotentes. Ela tenta e até consegue. Mantém em seus braços o boneco de uma criança que mexe as mãos. Fruto de uma engenharia simples, mas de resposta imediata diante de um público carente de apelos religiosos.

Quem faz o boneco da criança ter vida é a moça que interpreta a santa. Pelas costas ela enfia os dedos nos braços do boneco. Os dedos da moça mexem, os braços obedecem. A cada cédula de um ou dois reais depositados na caixa de sapatos colocado ao pé da santa que é atriz, a moça mexe os dedos e o boneco obedece simulando um agradecimento com os braços. A pessoa que fez a doação também leva uma mensagem entregue pelo boneco.

Isso comove, mexe com sentimentos, atiça o lado espiritual de cada ser humano que transita pelo Calçadão de Londrina e pára diante do espetáculo. Não se pode dizer que aquilo seja exploração da fé. A moça usa seu talento para defender o pão de cada dia e garantir o seu sustento e talvez também de uma criança, que não é o boneco que mexe os braços e entrega uma mensagem de agradecimento, mas é uma vida. Talvez um filho ou filha, um irmão ou irmã, um sobrinho ou sobrinha, uma mãe, um pai, um parente, um conhecido. As pessoas que a rodeiam e deixam cédulas ou moedas na caixinha estão ávidas por gestos espirituais num ambiente cercado de interesses materiais.

É uma espécie de reconhecimento de ambos os lados. Agradece-se por um momento de reflexão com dinheiro. Retribui-se com uma mensagem provavelmente simples, mas que para algumas pessoas é o que faltava naquele instante. Tal qual acontece logo em frente, com outro ator que se pinta de negro e faz diariamente o manequim vivo de um Calçadão destroçado após a destruição dos quiosques que abrigavam o comércio de lanches, revistas e jornais. Ele oferece um espetáculo, as pessoas que apreciam ajudam com as moedas.

Reforça-se: são dois talentos. Superiores ao dos homens que aparecem naquele lugar somente às vésperas de eleições. Interpretam pessoas preocupadas com o bem-estar dos outros. Interpretam educação e simpatia. Interpretam seriedade. Interpretam boa vontade. Depois dos votos nas urnas somem para os gabinetes e assumem carrancas, interesses pessoais e de amigos, antipatia e medo de apertar as mãos das pessoas que apreciam personagens como a moça que se faz de santa e o rapaz que simula ser uma estátua.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Crônica - Pingando óleo

Trabalhador não almoça. Come alguma coisa. E por culpa de um defeito no fogão, bem onde se aperta o botãozinho que dá chama para acender a boca, a lingüiça não pode ser fritada para entrar na marmita. Foi por isso que aquele ali trouxe hoje apenas feijão e arroz.

O complemento veio de um bar logo adiante. Pastel de carne, quentinho, com a massa borbulhada de um lado e estatelada de outro. Quase branca, sinal de que faltou fritura. Grossa e sem crocante, pesada, eternamente mastigável feito um chiclete ou uma bala de goma.

A carne era um bolo só. Não ficava soltinha dentro da encapadura de farinha de trigo. Uma pelota sem muito tempero e gosto duvidável. Nem cebolinha de cheiro se via em algum lugar.

Num canto do canteiro de obras, onde sobravam alguns tijolos, improvisou-se uma sala de refeições a céu aberto e sem mesa, longe de árvores que pudessem atrair pássaros deselegantes e prontos para as suas necessidades quem quer que esteja abaixo.

Comia-se de colher. Onde achar espaço para garfo e faca numa mesa tão desconfortável, as coxas das pernas? A primeira colherada, de arroz e feijão esquentado num fogareiro precário feito de restos de construção e acionado por gravetos recolhidos sem critério, esquentou o céu da boca, ardeu no dente cariado, arrastou na garganta e desceu, quebrando o impacto da fome.

Depois o pastel. Colocado de pé, a gordura desceu e respingou quando aquilo foi retirado do embrulho. Gotejou na calça ercardida e na primeira mordida estourou e fez o vento preso entre as massas fazer um pum. Emagreceu, fazendo a capa ficar mais mole.

Caiu no estômago e provocou azia. Foi uma tarde de queimação e desconforto. À noitinha, no caminho de volta para casa, o trabalhador comprou uma caixa de fósforo para dar chama à boca do fogão a gás.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Crônica - Andar em círculo

Como um cão atrás do seu próprio rabo. Assim fazem os que se negam a enxergar o futuro. Por isso não andam, apenas dão passos que levam ao mesmo lugar e tornam o ponto de partida uma estrada sem fim e sem rumo.

Martins sabia muito bem disso. Trabalhador de molhar a camisa e escorrer suor pelo rosto, ele aproveitava com plenitude o seu conhecimento acadêmico adquirido até o fim do ensino médio, somado à uma leitura crítica da realidade.

Da mesma forma Martins assimilava com cérebro e alma as coisas que eram ensinadas. Participativo, era presença certa em reuniões do sindicato e da associação de moradores do seu bairro. Ponderado, falava somente quando necessário. Mas a sua fala era um tiro certeiro. Por isso era temido por aqueles que se aproveitam de boa vontade das pessoas para transformar um encontro comunitário em palanque político.

Martins defendeu o quanto pode a participação de candidatos nas reuniões do sindicato, da associação de moradores e da igreja da qual participava. Para os argumentos de que a democracia exigia a presença dos políticos em seus encontros, para que os participantes soubessem quem são eles, Martins retrucava que havia outras formas dos pretendentes a cargos públicos se fazerem conhecidos.

Mas foi vencido na associação de moradores, ondfe apareceu um político se fazendo de pessoa humilde e gastando mais de uma hora da reunião para dizer que fez isso e fez aquilo. No sindicato, o mesmo homem que sempre defendeu o fim de algumas garantias trabalhistas posou de articulador incansável de projetos em defesa dos trabalhadores. Na igreja o homem envolvido em escândalos disse ser um fiel servo do Senhor.

Só acreditaram nesses políticos carreiristas os que andam para a frente, vislumbrando horizontes, e tem o ponto de partida como um lugar que ficou para trás.

domingo, 15 de agosto de 2010

Crônica - Ninguém trabalha tanto quanto ele

Vida dura. De manhã, visita à feira livre. Ainda de manhã, visita à outra feira livre. No meio da mesma manhã, parada na banca de pastel para engolir um de carne com café e leite. Dali seguiu pelas bancas. Que trabalho. Dar as mãos para todas as pessoas, feirantes e consumidores. Aquele comerciante estava com a mão molhada, credo. O carregador tinha calos, ui.

Ainda de manhã, duas reuniões. Uma para conversar sobre nada de interessante. O objetivo era conquistar simpatia. Outra para conversar sobre nada, a finalidade era estreitar relações.

O almoço foi num evento beneficente. Feijoada, arg. E nem está tão frio assim para comer tanta gordura armazenada nos joelhos e nas orelhas dos porcos. A linguiça estava rançosa e a couve aguada.

Depois daquele almoço outro almoço. Num lar de velhinhas, que tiveram a refeição daquele domingo patrocinada pelo visitante. E elas lá sabiam disso? Que nada. Comeram os frangos assados como fazem todos os dias. Tristes, olhar distante, encurvadas, esperando pela chegada dos filhos, que não vieram. Então o visitante se foi, acreditando ter cumprido com mais uma etapa de sua jornada de trabalho.

No começo da tarde visita a um campo de futebol, onde os boleiros estavam mais preocupados em garantir vitória do que dar as boas vindas a um estranho no meio. Depois outro campo, outro jogo, outros boleiros indiferentes.

Às seis, missa. Chegou quinze minutos antes, para ter tempo de dar uma volta pelos bancos e cumprimentar a todos. Nem o diácono escapou. O ministério da eucaristia até tentou, mas esbarrou nunca cadeira quando tentava dar a volta e teve que recuar para cumprimentar aquela espécie de trabalhador que vivia de cumprimentar os outros.

Só depois da celebração foi para a reunião do seu grupo político, onde só recebeu elogios dos partidários. Mesmo os contrários falaram bem dele e apresentaram prognósticos animadores. E nem ficaram vermelhos pela mentira.

E o político, candidato a outro cargo, considerou-se com o dever cumprido. Passou o domingo todo apertando as mãos de desconhecidos. Mãos nem sempre limpas, mas de pessoas honestas que pegaram na mão do político por educação.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Conto - O vento pesa (Final)

Uma rua deserta é um mar por onde se caminha entregue à ferocidade das ondas. É um vai e não vai meio trôpego, pisando num asfalto que parece líquido, de tão inconsistente que é. Isso acontece quando o coração pede para ir, mas as pernas recusam. O que a alma enxerga é o rumo certo, mas os olhos embaçam. É coragem e medo. Decisão e incerteza.

Lá adiante a figura de uma pessoa. Ela vai. Não se sabe a que ritmo. Parece lenta, mas pode haver ilusão de ótica. O andar deve ser vagaroso, mas provavelmente a necessidade de chegar seja urgente. Onde?

O algum lugar é a única certeza. O verbo é o pretende-se. Há um tempo, que se quer o pretérito perfeito. Mas pode ser o contrário. Ficar era um perigo e ir é um risco. Na pior das hipóteses, uma possibilidade adiante se abre. Depois outra e mais outra, atrás de tantas outras até que um dia acontece. Quando isso vier haverá riso e choro de felicidade. E se começará tudo de novo.

Lá atrás ficou uma marca. Na parede de uma loja desativada uma bandeira fincada num mastro de plástico. Não venta e o pano mole cai fechando o letreiro estampado em uma de suas faces.

Não há candidato e nem campanha eleitoral. Maria da Conceição deve participar da democracia apenas votando. Ainda não sabe em quem. Promete avaliar com rigor os que postulam algum cargo. A princípio ninguém ainda a convence.

Tem tempo pela frente para uma decisão acertada. Agora, indo, ela deixa nas suas costas um emprego que a deixava contrariada e vai em busca de uma ocupação que a faça sentir-se uma trabalhadora.

Maria da Conceição não sabe por quanto tempo terá que caminhar, mas tem certeza que chegará.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Conto - O vento pesa (5)

Mesmo esgotada fisicamente depois de cada jornada de trabalho, Maria da Conceição chegava em casa perto das oito e meia da noite e após preparar o jantar, lavar a louça, esfregar algumas peças de roupas e passar as que seriam usadas no dia seguinte ainda tinha dúvidas. E colocava-se a pensar, jogada sobre a rala espuma de um sofá velho, que aquilo não era um emprego.

Ser cabo eleitoral nunca havia passado pela cabeça de Maria da Conceição. Verdade. Embora não discriminasse quem recorresse a aquele tipo de ocupação, Maria da Conceição não entendia como era possível manter uma boa relação com um patrão em quem não se acredita.

Sempre fora assim. Nos pequenos empregos como doméstica, Maria da Conceição conseguia ser tão fiel à família que a contratava que tornava-se, às vezes, até confidente. Nas raras vezes em que enfrentou desacertos tratou de demitir-se.

Não por culpa dela, mas por tantas decepções que havia sofrido, Maria da Conceição era avessa à política feita da forma que os políticos de hoje em dia fazem. Em quem confiar, perguntava-se frequentemente. Maria da Conceição não chegou aos bancos de uma universidade, mas teve o privilégio de fazer um bom curso fundamental.

Se isso era pouco, ela tinha uma formação de berço tradicional. Rigorosa, mas de efeitos positivos. Maria da Conceição aprendeu em casa, com os pais, a respeitar e a pedir para ser respeitada.

Se não tinha livros para ler, aprendia sobre as coisas importantes da vida ouvindo muito o que as pessoas com mais conhecimento falavam. Maria da Conceição, enfim, sabia da vida por viver a vida de uma maneira produtiva.

Não era, portanto, por falta de estudo que Maria da Conceição poderia ser considerada uma ignorante de determinados assunto. Na política ela sabia, por exemplo, que alguns homens públicos aumentam em dez vezes a sua riqueza num mandato que dura apenas quatro anos, mas é cumprido pela metade. E aquele que era o seu padrão agora estava entre os que ela desconhecia a honestidade.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Conto - O vento pesa (4)

O café ficou pronto muito antes do sol mostrar a cara. Na verdade, lá pelas cinco da madrugada Maria da Conceição se pôs de pé, vencendo as dores das varizes que descem pelas duas pernas. As saliências formam mapas. Parecem rios e seus afluentes. Mancham a pele e obrigam a mulher a usar, mesmo no calor, calças compridas sobre meias de alta compreensão, que amenizam a ardência.

Ontem Maria da Conceição saiu pouco antes das sete da manhã de casa. Pegou um ônibus lotado e viajou o percurso de mais ou menos sete quilômetros pendurada no cano instalado no teto do veículo, substituindo os pingentes. De pouca estatura, ela é obrigada a se esticar, para não ser traída pelas curvas acentuadas e freadas bruscas. As pernas, doloridas, apresentaram no fim do dia mais efeito de ardência por causa do contorcionismo que todo o passageiro que viaja de pé num ônibus urbano é obrigado a fazer. E o percurso, que poderia ser vencido em meia hora, durou muito mais do que isso.

Maria da Conceição chegou ao comitê do candidato para o qual trabalha vinte minutos antes do horário de início da sua jornada. Foi o tempo necessário para ir ao banheiro ajeitar os cabelos e passar água fria no rosto. Depois retirou com o coordenador da equipe de rua o seu material de trabalho: a bandeira com o mastro de PVC e um bom punhado de “santinhos”.

Dali foi levada em uma perua Kombi para a área comercial de um bairro distante, junto com mais oito companheiras. Maria da Conceição ocupou a sua esquina, onde agitou a bandeira e distribuiu panfletos. O local, com pouco movimento de pessoas e de carros, permitiria um descanso, até uma sentadinha num banco próximo. Mas ela não quis se arriscar a ter que assinar uma advertência.

O almoço do dia foi pago pelo comitê da campanha: marmitex com arroz, feijão, carne de panela e salada. Nada mais justo, pois as trabalhadoras não teriam onde comprar por conta uma refeição barata e descente naquela localidade. Uma praça de gramas altas e árvores maltratadas foi o refeitório.

Comida pronta é de tempero suave. Há quem goste de sal, outros preferem o sabor mais suave. Maria da Conceição não se dava mais ao luxo de ter escolha. Bastava o arroz, o feijão, a saladinha, a carne com muitos nervos e excesso de gordura. Comia-se o que era possível. Com ou sem sal. De tempero adequado ou sem nenhum cuidado no preparo.

Mas ontem Maria da Conceição se limitou a apenas três garfadas de plástico. A comida não desceu por causa de um nó que fechou a garganta e encerrou a fome. Um nó de tristeza, de vontade de ter um emprego que ela tinha consciência, merecia. Para fazer o que sabia: lavar e bem, passar e da melhor forma, higienizar, limpar, caprichar e, enfim, viver com a certeza de que pode, com tarefas que parecem ter pouca importância, tornar o sujo em limpo, o ofuscado em transparente, a noite em dia, os dias em outros dias e a vida em uma possibilidade agradável de viver.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Sugestão - Sobre o emprego e o desemprego

O segundo conto da série "O vento pesa" está no blog http://walterogama.blogspot.com
Participe nos comentários ou envie e-mail para foradomercado@gmail.com ou walterrogama@gmail.com

Muito obrigado

Conto - O vento pesa (3)

Dignidade em qualquer situação. Maria da Conceição trazia esse ensinamento de berço. Às vezes,quando criança, enfrentou com os pais e os irmãos circunstâncias desesperadoras por falta de dinheiro. Nunca ao extremo da fome, porque se não havia arroz e feijão na mesa,recorria-se às abóboras plantadas no cercadinho cedido pelo dono da terra para a família tocar uma horta de sustentação.

Os apertos eram de roupas remendadas até as últimas possibilidades, calçados descolados de tanto uso, falta de recursos para a compra do material das crianças e privações que se acostumam, mas de maneira nenhuma são aceitas. Como a geladeira estragada que mais servia como um armário. O fogão de lenha com os tijolos despencando, as panelas amassadas e de cabos improvisados. As pequenas bacias de alumínio usadas como pratos. Ou a caneca feita de lata de óleo de soja, de uso comum para preparar o ralo café da manhã e para todos beberem água retirada de um poço.

Jamais os pais de Maria da Conceição pediram socorro de um parente ou conhecido para melhorar o conforto da família. Nem no inverno mais forte a falta de um chuveiro elétrico foi considerado um drama. Fervia-se a água num balde colocado sobre o fogareiro de tijolos montado ao lado da porta da cozinha. A água, com quentura de pelar, ia para uma grande bacia guardada num cercadinho sem porta. O aviso de que algúém usava o local para o banho era uma local, feito cortina, fechando a abertura. As crianças aproveitavam a mesma água para se banhar.

Quantas vezes Maria da Conceição empinou pipa feita com folhas de revistas velhas. Ver o pedaço de papel com os rabos torcidos, agitando-se ao vento, dava uma sensação de possibilidade. Voar, sair do lugar, ir adiante, subir, ver o mundo de cima. Por isso o tremular das bandeiras depois de anos, já na idade de frequentar uma escola no meio urbano, era uma nostalgia apreciável, de querer sentir o passado sem sair do presente e ir além, no calcanhar do futuro, talvez até para as birutas que nos desenhos animados mostram a direção do vento nos campos de pouso e decolagem dos aviões.

Nada a ver com a bandeira que Maria da Conceição segura numa esquina do centro da cidade. Ou não? É um emprego. Maria da Conceição honra-o. Tem muita gratidão à vizinha que a levou até o escritório que a contratou. No caminho, recebeu orientações: deveria falar à pessoa que fez a entrevista que era eleitora do homem que tinha o nome e o número na bandeira, mesmo que não fosse votar nele.

E Maria da Conceição não tinha nenhuma informação dele. Não sabia se era honesta e trabalhador. Quando viu a foto do homem num enorme cartaz pregado na parede, não sentiu confiança, não percebeu o coração aceitar aquele rosto com expressão sorridente, mas falsa. Mas prometeu a si mesma que, trabalhando para ele, se esforçaria para conhecê-lo. Se se ele não fosse um homem justo, seguiria os conselhos da vizinha: "Trabalhe com honestidade e dignidade para ele, pois o seu papel não é nem de pedir voto para ele. É de apenas mostrar o nome e o número dele nessa bandeira que você vai segurar na esquina. Faça isso, é a sua função".

Se assim fosse, Maria da Conceição, num estalo, sentiu que Deus a perdoria por precisar do emprego de uma pessoa em quem não confiaria. Um dia, no ônibus, alguém havia comentado com outro e Maria da Conceição ouviu: "Quantos ganham milhões e enganam do patrão aos colegas e inclusive a si próprios?"

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Crônica - Solidariedade do almoço

A comida nunca chega quentinha. Veja que o arroz e o feijão tem uma quentura de banho-maria, quase um morno, às vezes chegando ao frio. Entre o comer e o largar tudo no prato escolhe-se, normalmente, a terceira alternativa: saciar a fome.

É a opção do almoço para João, Maria, José, Marlene, Manoel, Regina, Ricardo, Samara e tantos mais. Trabalhadores, eles manipulam a necessidade de se alimentar com estripulias. Perto do pagamento, o peso do self-service é mais digestível. Longe do pagamento, come-se menos.

Hoje João encheu o prato de folhas. O alface, a couve, o agrião e a acelga deram cor verde ao bandeijão, que ficou leve e custou pouco. Maria enfeitou a sua salada de repolho com o alaranjado da cenoura em rodelas. José justificou indisposição. Mas pegou arroz, feijão e nada mais, em quantidade do organismo aceitar sem queixa mesmo que o seu dono reclame de enjôo.

“Isto aqui não é um restaurante, é um ponto de encontro”, gritou Marlene, lá de um can to, quando colocaram reparos no tamanho do seu prato: um raso de salada, um rasinho de arroz e uma tirinha de carne. “Eu também não sinto fome no almoço, mas tenho que sair do escritório pelo menos nesse horário senão o dia fica mais longe”, acrescentou Manoel, que escolheu apenas um pedaço de lasanha e um arroz com feijão.

Ambos arrancaram olhares de consentimento e frases tímidas de aprovação. Outras marias e outros joãos, josés, manueis, marlenes e reginas também faziam o almoço de alguns dias antes do pagamento. Era prudência, muito mais do que regime alimentar ou indisposição. Com pratos feitos na proporção das economias que ainda restavam nas carteiras e nas bolsas.

Refeição de trabalhador tem tamanho e dia certo. Nunca o apetite é igual. Normal mesmo, pelo menos naquele restaurante, é a silenciosa compreensão da capacidade de cada frequentador de saber os apertos dos outros, colegas ou conhecidos eventuais que dividem mesas e circunstâncias na hora do almoço. É uma espécie de solidariedade.

domingo, 1 de agosto de 2010

Conto - O vento pesa (1)

Maria da Conceição está trabalhando. Sim, diz-se assim secamente, sem protocolo e nota introdutória: Maria da Conceição está no trabalho. Porque trabalhar, para Maria da Conceição,não é nenhum sacrifício. É, antes de tudo, uma necessidade. Faz parte do cotidiano desta mulher, hoje com 47 anos, quatro filhos, o mais novo com 12 e a mais velha com 18.

Muito lá atrás, Maria da Conceição ainda menina, ela já labutava no meio do roçado, chapéu de palha para aliviar a queimadura do sol na pele do rosto, ainda que protegido com um lenço que descia dos cabelos e tinha o nó atado no queixo. Calejava as maõs com o cabo da enxada, mesmas mãos que ao entardecer esfregavam roupas sujas no tanque ao lado da casa.

Sempre assim. Depois da roça, na cidade Maria da Conceição fez de tudo um pouco. Varreu, lavou e passou em casas alheias, montou em ônibus de sacoleiros para trazer mercadorias e vender nas feiras, bordou, pintou e costurou na pretensão de ganhar com o negócio de artesanato. Voltou para o emprego de doméstica depois que perdeu o marido, aquele que retorno para o Mato Grosso tocar fazenda de soja e nunca mais apareceu em casa para dar bom dia aos filhos e boa noite à mulher.

Conseguiu até carteira registrada no último emprego. Direito a passe de ônibus e, de vez em quando, de acordo com o humor da patroa, uma quase cesta básica. Ia tudo bem. Mas o menino de 12 adoeceu de uma doença que médico nenhum sabia o que era. Desinteria um dia, ressecamento em seguida, febre de hora para outra, alucinações e uma espécie de uivo baixinho. Diziam a dona Carolina vizinha, meia que bruxa por causa de advinhação, que era doença de cabeça por causa da saudade do pai.

Sem cura, o menino estava um dia bom, mas no outro entregava-se à crise. Uma repetição de semanas e meses, até que a patroa dispensou Maria da Conceição por causa das faltas para socorrer o filho.

Ali é que aconteceu o que ninguém quer que aconteça. Com 46 anos, Maria da Conceição não conseguiu colocação. Até para empregada doméstica ela era considerada velha. E olha que Maria da Conceição, de pele morena, tinha uma aparência jovem e uma disposição de menina.

Só um ano depois,já batendo dois meses de completar idade nova, Maria da Conceição conseguiu um emprego de carteira registrada, direito a passe de ônibus e obrigação de aguentar sol na moleira e chuva nas costas.

Lá está ela, numa esquina, empunhando a bandeira de um candidato a governador que ela nunca viu, jamais soube de alguma coisa que ele houvesse trazido de bom para a sua gente, e nem alimenta expectativa de um dia ter qualquer benefício por ela ter, na campanha eleitoral, segurado a bandeira contra o vento, de forma que o nome do homem pudesse ser visto pelos motoristas que passaram por aquele lugar.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Crônica - Para o descanso o cabo do enxadão

Um dia disseram que ele era um agricultor. Escorado no cabo do enxadão, ele ajeitou o chapéu de palha de modo a proteger os olhos do sol que descia de frente e ao mesmo tempo ajeitar os cabelos ralos jogados para trás, lisos, molhados de suor e desalinhados nas pontas. Há uma semana ele havia planejado uma ida ao bairro mais próximo do sítio de oito alqueires que administrava. Teve que adiar. Assim, deixou também para quando desse a passagem pela barbearia. Foi deste jeito demorado, igual o tempo entre o final da primeira frase do texto até agora, que ele demorou para então responder, com pausa, mas fala segura:

- Que agricultor que nada. Eu sempre trabalhei na roça, mas fazendo de um a tudo. Mas nunca fui dono de terra. Até hoje sou empregado e por um bom tempo nem carteira assinada tive.

Tentaram explicar que agricultor é quem lida com a terra. Não precisa ser dono dela. Até porque, hoje em dia, tem proprietário de fazenda que não sabe nem distinguir um boi de uma vaca. Verdade. Tem médico dono de terra, tem arquiteto fazendeiro, tem político, assessor de político, parente de político, conhecido de político e apadrinhado de político com muitos alqueires registrados em cartório.

Argumentaram que agricultor é quem produz da terra. Ara, planta, cultiva, capina, colhe e comercializa. Também cria aves, suínos ou bovinos, usando de recursos simples ou tecnificados para engordar os animais. Enfim, agricultor é quem extrai da terra e de outros recursos naturais para produzir alimentos.

Como ainda ele permanecesse escorado no cabo do enxadão, com um jeito de não ligar para nada daquilo que lhe dissessem, sofisticaram a conversa. Disseram da preocupação mundial sobre a segurança alimentar, que o mundo inteiro estava com os olhos no campo para garantir que o agricultor produzisse bem e melhor. E ele, portanto, era um agricultor.

- Vieram aqui uns técnicos e disseram a mesma coisa. Colocaram uns reparos aqui e ali das coisas que eu estou fazendo. Mas o agricultor aqui é o patrão. Eu só tomo conta. Faço de tudo, até conserto a cerca quando preciso. Aro a terra, planto, cuido, colho. Que comercializa é o patrão.

Assim se foi mais um 28 de julho, Dia do Agricultor. No Norte do Paraná fez sol de verão, com os termômetros em 25 graus centígrados lá pelas quatro da tarde. Amanheceu com um ventinho frio e as nuvens enganaram até por volta das nove da manhã, com um jeitão de chuva.

Café da manhã, almoço, lanche da tarde e janta. Tudo teve um pouco do conhecimento do homem escorado no cabo do enxadão. Aquele que faz tudo, mas não se considera um agricultor.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Crônica - O barro vai ao chão

É massa! O que os bastidores nunca ignoraram veio mais uma vez a público: tem maracutaia sim senhor.

Não é por descrença na ética e no caráter das pessoas envolvidas que se diz isso. Imagina, às vezes os acertos acontecem até num joguinho da segunda divisão. Por que não ocorreria num esporte que envolve milhões, como é o caso da Fórmula 1?

Aliás, foi nesse treco ai, de carro correndo atrás de outro carro, que num certo tempo dois renomados profissionais da televisão brasileira trocaram salivas agressivas. Um assessora um piloto brasileiro e outro, que trabalhava na mesma emissora, assessorava outro piloto brasileiro.

Então, abaixo a ética! Depois que alisou a cabeça de Zagalo durante uma entrevista, Pedro Bial foi para o BBB. Abaixo a postura!

Mas isso não é nada. O mais importante é a consequência. Se a Fórmula 1 já era um saco de ser visto na tevê, imagina agora? Quem quer ver ídolo de barro caindo? Melhor assistir vulgaridades e mediocridades menos nocivas na TV aberta.

Tem muitas opções. Basta passar os canais e aparece um atrás do outro. E viva o Palmeiras! Fora Felipão! Aqui não mané. Chafurda pra lá...

domingo, 25 de julho de 2010

Crônica - Um lanche para o trabalhador



Não seria a opção correta para aquele idoso que entrega panfletos de anúncios publicitários pelas ruas de Londrina e sempre diz, a quem aceita o folheto que ele distribui: "Você é o meu patrão".

Arcado, magro e miúdo, carrega uma pasta dessas de courvim própria para transportar documentos. Dentro, em vez de escrituras, cheques, notas promissórias para serem cobradas, os panfletos.

Não mais que uma vez o viram nas lixeiras das lanchonetes, no começo da noite, revirando para encontrar o que comer. Às vezes encontra um canto de cheese salada. Outras vezes um pedaço de coxinha. Come no local mesmo, sem disfarçar. Depois vai, chapéu enterrado na cabeça, a bolsa pesando na corcunda, distribuir mais anúncios e agradecer a quem o pega: "Obrigado! Você é o meu patrão..."

Hoje, 26 de julho, é o Dia dos Avôs, uma data escolhida por ser também o Dia de Santa Ana e São Joaquim, pais de Maria e avós de Jesus. É provável que muitas das pessoas que já viram o idoso de Londrina catar lanche do lixo nem saibam se ele é avô. Se chegou a ser pai. Se tem mulher, casa, filhos, netos.

Mas se alguém encontrá-lo hoje e puder pagar um almoço ou uma janta, que o faça. O lanche, talvez mais modesto que o da foto, pode ser embrulhado para que, mais tarde, esse homem trabalhador possa ter um dia de lanche saudável.

Ele, com certeza, vai agradecer: "Obrigado! Você é o meu Deus..."

sábado, 24 de julho de 2010

Registro - Sábado em boa companhia



Carlinhos, dos velhos tempos. Sanfonas, som, música de entrar pelos ouvidos e cair na alma. Simplicidade das pessoas. Boa acolhida. Marcelo, sempre amigo. E, de repente, o Polaco, que há anos eu não via.

O tempo vai e vem. O mais certo é que ele volta sempre ao mesmo lugar. E me trouxe aos meus velhos amigos numa manhã de sábado, inverno de trinta graus no sol e muita felicidade.

Eu tenho muito para viver, com certeza. Porque tenhos pessoas que eu estimo e me estimam. É tudo de que eu preciso.

Na foto, o Polaco e o seu talento, em apresentação no Calçadão de Cambé com o Grupo de Acordeom Evelina Grandis.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Crônica - Fora do percurso

Diziam que aquele menino dobrou esquinas erradas. Mas usavam um tom acusador, enaltecido por palavras duras e expressões nocivas. Ousavam comentar que o menino entrara por vielas perigosas e delas saiu ileso e vitorioso, deixando nas beiradas somente vítimas.

O que se sabia do menino era que passava marcando o trajeto com um rastro de contradições. A mãe sempre apostara nele como o salvador. O pai pouco ligava, tanto que saiu um dia decidido a não voltar. Entregou a prole ao desamparo, inclusive aquele que estava por vir, ainda balançando na barriga da mulher, uma morena de cabelos encaracolados e dentes postiços na arcada inferior.

Herança de um passado de terror. Ela não havia perdido os dentes por causa de alguma enfermidade nas gengivas. Três deles cairam quando o marido acertou o queixo da mulher com os punhos cerrados, depois de uma briga por causa de bebedeira. Outros quatro foram comprometidos. Sem recursos para um bom tratamento, ela optou por arrancar todos.

E o menino? Ah, sempre se posicionou ao lado da mãe. Mas da maneira que lhe era possível. Pequeno no tamanho e grande no medo do pai, restava ao menino solidarizar-se com a mãe depois dos embates, às vezes físicos, outras vezes psicológicos.

Filho mais velho, assumiu com a mãe, depois da partida do pai, as preocupações com a casa e os irmãos. Matriculou-se no horário noturno, trabalhou como entregador de mercearia, fez bico na feira de domingo como ajudante, aproveitou horários de folga para ser negociante de passes de ônibus e, aos dezoito, fez tiro de guerra e amargou muitos castigos como sentinela, até por não engraxar os coturnos do jeito que o sargento queria.

Depois estudou para um concurso público e passou em terceiro lugar. Foi convocado, fez outro concurso, foi nomeado, passou em outro concurso, comprou um carro velho, depois trocou por um seminovo, até aparecer com um zero quilômetro.

Mas foi tudo na batalha, sem treta e sem manha. Por ser reservado, postura que herdou da mãe, cresceu aos olhos vidrados dos vizinhos usando do direito de não comentar nada da sua vida e o de sua família com ninguém.

Inquieta, a vizinhança decidiu imputar qualidades negativas no menino em comentários que nunca deram em nada, mas não deixavam de ser injustos: "Enriqueceu muito rápido esse menino. Olha que roupa ele usa. Será que..."

Moral da história: quando o trabalho enobrece o trabalhador, quantos comentários ruins ele provoca.

domingo, 18 de julho de 2010

Música - É coisa boa

Trem da Memória, de Silvio Brito e Ademir Martins, na voz de Silvio Brito. Baixado do Youtube. Disponível também no site oficial do cantor e compositor.

sábado, 17 de julho de 2010

Crônica - O som do silêncio

Um ônibus é prenúncio de uma viagem. Seja de dez, quinze, vinte minutos ou mais. O aviso da partida é o barulho do motor. O indício da saída é a busca do equilíbrio. Segure-se, pois o chão é longe.

As pessoas não se conversam. Algumas delas se encontram todos os dias naquele mesmo horário. E quando alguém se desencontra, surge logo ali uma parada e alguém, silenciosamente, pergunta para si mesmo: "Será que aquele fulano perdeu a hora?" É que o ausente costuma entrar no ônibus naquele ponto.

Sabe-se também onde fulana desce, onde beltrano se senta, para qual lado sicrano se vira quando vai de pé, pendurado no pingente. Percebe-se também o humor do cobrador. Hoje ele está sorridente, até dá bom dia para todos que atravessam a roleta. Mas nem todos respondem, pois não estão acostumados com cumprimentos. Aquela é, afinal uma viagem de trabalho.

O motorista não está com pressa. Se correr chega adiantado, então aproveita uma subida para fazer o pesado veículo trafegar com um ronco mais forte. Justo naquele dia ninguém sobe e ninguém desce. As paradas ajudariam a acertar o horário. Estranho que, em algumas ocasiões de atraso, mais pessoas sobem, mais pessoas descem, e mais a viagem demora.

Não há limite de idade. Pessoas de diferentes faixas procuram nas bolsas os fones de ouvido e viajam, praticamente, sozinhas. Ouvem músicas que outros não conseguem ouvir. Escutam o que, de direto, só elas podem ouvir naquele momento, naquela viagem, e naquele percurso diário rumo ao trabalho.

É um cotidiano interessante, de personagens que vão e vem, quietas e solitárias no meio de uma multidão de outras personagens que chegam e saem, procurando seus rumos, sem trocar palavras, até um ponto final que não é de todos. Cada um tem o seu e preserva-o como algo particular e próprio.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Crônica - Elvis baixou no Calçadão

As barras das calças de cor branca, boca-de-sino, esbarram no chão. Mas não escondem o par de tênis de um modelo que o ídolo nunca usou. A camisa, também branca, tem mangas longas sem punhos. Elas alargam a partir dos cotovelos e tem aberturas nas pontas. É uma peça sem botões na frente. Se falta isso, sobram tecidos para a gola, que sobe dos ombros, cobre todo o pescoço e termina na altura das bochechas, acima de onde fica a metade das enormes costeletas.

Os cabelos são alisados e de um negro que passa do natural. O brilho denuncia pintura. Os olhos ficam escondidos atrás de um enorme óculos de sol. Da boca se enxerga pouco, pois o microfone cobre mais da metade.

Assim o artista de rua ensaia passos, ao som de músicas de Elvis. Contratado por um comerciante para anuncia algum produto ou por iniciativa própria, ele encheu de volume a pequena caixa de som que irradia uma seleção de música gravadas ao vivo. Até os aplausos se ouvem.

Como todos os tocadores de sanfona, aqueles que por uma ironia do destino deixaram de carregar pianos em suas atividades profissionais, o dublê do ídolo enche-se de coragem e faz o que sabe. Bem ou mal ele chama a atenção dos que passam. Não deixa de ser um espetáculo. Ganha o pão de cada dia tocando zabumba, imitando manequim vivo, derrubando malabares nos semáforos.

A vida reserva períodos de surpresas e improvisos. Há os que batem no tamborim. Há os que usam as baquetas para acariciar a pele do instrumento. Nos dois casos há talentos, pois se não há habilidade para dominar a platéia com embaixadas feitas com uma bola oficial, usa-se uma ovalada, que exige mais domínio enquanto se vigia ao lado a caixa de papelão onde alguns, por boa vontade ou admiração, depositam moedas que garantirão o almoço de daqui a pouco.

domingo, 11 de julho de 2010

Música - Mirian Miràh no tempo do Tarancón

Esta música, na interpretação do Grupo Tarancón, participou de um dos últimos grandes festivais da música brasileira lá pelos anos 80. Ainda não se sentava na boca da garrafa naquele tempo. E nem o rebolation tinha tanto espaço quanto agora.

Fazer o que. Os tempos mudam. A cultura é cíclica e não tem caixinha de surpresa como no futebol. Um dia a gente ganha, outro dia a gente perde. Naquele tempo a gente criticava as multinacionais, mas bebia Coca Cola. Hoje a gente faz reverência para as mesmas multinacionais e bebe suco de laranja para dizer que é saudável. Que diferença faz? Então...

Mira Ira
(Lula Barbosa e Vanderlei de Castro)

Mira num olhar
Num riacho um cacho de nuvem
No azul do céu, a rolar
Mira ira raça tupi
Matas, florestas, Brasil
Mira vento sopra continente
Nossa america servil
Mira num olhar
Num riacho um cacho de nuvem
No azul do céu, a rolar...
Mira ouro azul ao mar
Fonte, forte esperança
Mira sol canção
Tempestade e ilusão
Mira num olhar
Verso frágil tecido em fuzil
Mescla morena canela,
cachaça, bela raça Brasil!
A nana íra, mirairana na Tupi
A nana ira, a nana ira, mira ira Brasil...........

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Curtas - Sem piração

Futebol sem estrelas

Sem essa de Copa vendida. O que está valendo na África é o futebol técnico. Quem levou vedetes já saiu do campo.

Quem nos representou

Um time de alguns astros. Dentre eles, pelo menos um desequilibrado. Se não foram dois. Um fora de jogo. Um fora de forma.

Que patrocionou

Nada a ver com negociata. Foi por falta de firmeza na negociação. Fulano joga por ser patrocinado. E fulano fracassou por não estar jogando nada. Bem que tentou. Fez um esforço desumano. Mas não deu, né?

Sem paixão

De positivo, a volta dos pés no chão. Que vença rapidamente o discurso do futebol é assim mesmo. Não, futebol não é política, embora os cartolas queiram fazer desta modalidade um bastidor de negociatas. Nem os jogadores e muito menos os torcedores merecem. Isso na África foi um vexame, não foi coisa de caixinha de surpresa.

Sem holofotes

Tanto jogador bom desempregado... Quantos queriam ter a chance de um contrato, mesmo que modesto?

Aqui também

Ficha limpa também no futebol. Isso não vale para os jogadores. O desempregado Dunga também merece isenção. O mundo viu que eles foram tão iludidos quanto nós, torcedores. Todos pensamos que tinhamos uma grande seleção, mesmo sabendo das fraquezas das peças que a formaram. Nós facilitamos e perdemos, a cartolagem venceu.

Ou, no mínimo...

...fechamos os olhos para não ver. Tapamos os ouvidos para não ouvir. Comemos o pão que a barata pousou...

E vem mais

Eleições em outubro. Com um monte de cartolas, um outro tanto de Dungas. Poucos com um jogo de primeira. Que acordemos até lá.

Jogo duro

Muitos lances maldosos ensaiados. É um torneio tão pesado e caro quanto a do futebol. Mas de efeito nocivo muito pior. Cuidado eleitor. Infelizmente, somos obrigados a tratar com este sarcasmo algo que nos é muito importante.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Curtas - Enquanto há esperança

Apenas comemorem

Se o Brasil vencer mais uma, haja festa. Aliás, muita festa. Sem vandalismo e sem porquice.

Yes, não temos candidatos

Saiu na tevê que temos sete candidatos ao governo do Estado. Não reconheço nenhum deles e muito menos seus vices.

E quem sou eu?

Apenas um eleitor paranaense com os pés no chão. Se é que isso serve para alguma coisa.

Copa e eleições

Algo como pão e circo. Primeiro, a anestesia. Depois a cirurgia. Se a operação for um sucesso, muito bem. No caso de um fracasso, o silêncio será do mesmo tamanho. Nem com acerto, nem com erros, costumamos nos manifestar.

Isento o futebol

Não é por culpa da bola e dos jogadores. Nós é que caímos e esquecemos do resto do Brasil na hora do jogo. E tantas coisas acontecem, principalmente nos bastidores...

A Copa de 70

Isso é histórico. A Copa de 70 levantou medalhas e escondeu verdades. Quantos carregaram a Taça do Mundo? Quantos tombaram? Quantos ainda estão desaparecidos?

E as enchentes...

Até as informações são contraditórias. Onde é que estamos?

E aqui?

Vão armar os guardinhas. "Cria cuervos y te sacaran los ojos". Mais otoridades, menos segurança. Receita errada dá em bolo intragável.

A fórmula certa

Chicletes para os pombinhos do centro de Londrina. Mastigados e colados lá. É o procedimento certo depois que o cara que assumiu a pasta responsável pelo sumiço dos pombos observou o comportamento das aves por horas seguidas.

Igual o pé na faixa

Sim. Nem pedestre e nem motorista respeitam, porque não sabem o que está acontecendo... Eita mundiça...

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Música - Plegaria a un labrador

Victor Jara foi assassinado em 1973 no Estádio Nacional do Chile pela ditadura chilena, depois de ter as duas mãos quebradas. Porque cantava as agruras do seu povo, como na canção abaixo, Oração a um lavrador. O vídeo foi baixado do Youtube.

Levántate y mira la montaña
de donde viene el viento, el sol y el agua,
tú que manejas el curso de los ríos
tú que sembraste el vuelo de tu alma.

Levántate y mírate las manos
para crecer estréchala a tu hermano,
juntos iremos unidos en la sangre
hoy es el tiempo que puede ser mañana.

Libranos de aquel que nos domina en la miseria
traenos tu reino de justicia e igualdad.
Sopla como el viento la flor de la quebrada
limpia como el fuego el cañón de tu fusil,
hágase por fin tu libertad aquí en la tierra
danos tu fuerza y tu valor al combatir,
Sopla como el viento la flor de la quebrada
limpia como el fuego el cañón de tu fusil.

Levántate y mírate las manos
para crecer estréchala a tu hermano,
juntos iremos unidos en la sangre
ahora y en la hora de nuestra muerte
amén a - a - mén, a - a - mén.


terça-feira, 29 de junho de 2010

Crônica - A voz do outro lado

Desconfio que os recrutadores escolhiam aquelas profissional não somente pela fluência verbal, mas também pela voz. Trabalhavam normalmente em uma salinha fechada. Ninguém de outro setor tinha acesso ao recinto profissional delas. Na entrada ou na saída do expediente, elas geravam comentários:

- Aquela é a moça da voz macia. Olha ela ali, registrando o cartão de ponto.

- Nossa, eu pensei que ela fosse gorda e de mais idade. É uma menina...

As telefonistas de antigamente eram, sim, uma incógnita. Fala pausada, pronúncia correta, um jeito de sempre estar em dia com a paz. Enfrentavam com calma as ligações de clientes e colegas da própria empresa enfurecidos por qualquer motivo e dispostos a descontar a raiva no primeiro que atendesse o telefone. E não usavam gerúndio, do tipo:

- Senhor, vou estar transferindo a sua ligação para o setor competente e o senhor estará sendo atendido imediatamente.

Olha só, elas não usavam gerúndio como fazem hoje em dia alguns profissionais de telemarketing. Isso já era dez, então imagina o resto.

Mantinha-se uma espécie de manto sobre essas profissionais. A solicitude às vezes arrancava ironias de mau gosto de algumas colegas mulheres:

- Imagina, se ela fala assim com todo homem não se sabe o que acontece dentro daquela sala.

Maldade da grossa. Era educação, era cultura, era formação. Na verdade, naqueles tempos não só as telefonistas, mas também a mais simples das auxiliares sabia conversar com os colegas como uma pessoa culta. Se havia cultura, tinha-se como ser culta.

E as telefonistas, principalmente, tornavam-se peças fundamentais da equipe de trabalho. Eu lembro da dona Cida, que se aposentou telefonista. Conhecia todos os setores da empresa em que trabalhava, era colega, era parceira, era solidária. Foi e sempre será uma excelente telefonista, onde quer que esteja. Parabéns pelo 29 de junho.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Verdade - Leve, solto e feliz

Desembarquei do Metropolitana lá pelas dezesseis e pouquinho e percebi pela reação das pessoas que o Brasil já vencia o Chile. Subi a Benjamin Constant a pé, estava disposto a registrar o momento. Só um salão de beleza aberto. O resto com as portas descidas.

Três quarteirões adiante mais gritos de gol, mais rojões. Confirmei com torcedores: dois a zero. Cheguei em casa no intervalo do primeiro para o segundo tempos. Assisti o terceiro gol. Depois os lances, os comentários, as reportagens e etecetera.

Não pelo placar elástico, que talvez tenha sido uma consequência de um estado de espírito diferente no time de Dunga. O futebol praticado ainda foi aquém do que se espera de uma equipe com tantos talentos. Mas não houve carranca.

Se o Brasil encarar a Holanda com esse astral será mais fácil sair do campo sexta-feira com um resultado positivo. É claro, tem que ter muito futebol. Jogadores o Dunga tem.

Precisa só entrar um time pé no chão que saiba valorizar os seus méritos sem menosprezar os adversários. Parece que o elenco brasileiro está chegando nisso, conforme se percebe nas entrevistas. Ganha o futebol, pois com consciência, essa rapaziada joga e muito bem. Humildade é um grande indício de consciência.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Crônica - Sem tempo para ver um empate

Andei preguiçosamente pelo Calçadão de Londrina durante o segundo tempo de Brasil e Portugal, aquele jogo que terminou em zero a zero não por mérito das duas defesas, mas por fracasso daquela linha para frente. Ou as zagas também falharam? Será que nestes times não tinha zagueiro marcador nesta sexta-feira? Em partidas anteriores eles, no mínimo, aumentaram a vantagem no placar, quando não salvaram a pátria.

As lojas desceram suas portas. As farmácias uniram o útil ao agradável. Abertas, reuniram os funcionários na entrada, diante dos aparelhos de tevê, e aproveitaram para aumentar as vendas recebendo fregueses.

Vi pelo menos dois catadores de papéis durante o percurso, que foi muito demorado. Aliás, tão longo quanto os 45 minutos do segundo tempo, que pareciam não acabar a cada tentativa da seleção portuguesa descer para a meta defendida pelos brasileiros.

Com seus enormes carrinhos eles não perderam tempo. Cataram, amontoaram e seguiram adianta, sem ligar para Brasil e nem Portugal. Ganharam o dia trabalhando duro enquanto boa parte do país parou com os olhos grudados na tela da televisão, perseguindo a bola que não chegou ao gol adversário.

E daí? Futebol é uma caixinha de surpresa, diziam no passado os comentaristas do esporte. Um dia a gente ganha, noutro dia a gente perde. E de vez em quando a gente empata e continua na jogada, enganando o nosso ego.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Crônica - Informalidade dura e cobiçada

A estátua viva tem nos braços uma boneca que imita uma criança. A estátua, que é viva, imita uma santa. A estátua, que vive, pede a atenção das pessoas, por isso é uma estátua viva com uma boneca nos braços.

O sanfoneiro imita que sabe tocar uma canção que só conhece a metade. O sanfoneiro, que é bom imitador, toca uma música pela metade. O sanfoneiro toca outras metades de outras canções para ver se a caixa de sapatos colocada aos seus pés tem o fundo coberto de moedas atiradas por quem passa e não percebe que o sanfoneiro é bom até a metade.

O vendedor de líquido milagroso vende a cura para tudo o que é nome de doença. O vendedor de milagre diz que seu produto é bom para alergia. O vendedor de cura prometge aliviar inchaço. O vendedor só não tem remédio para ficar rico de modo a não ter que vender o que não pode curar a doença que faz os que procuram milagres a comprarem promessas em vidros, em cédulas eleitorais, em anúncios políticos e em outros frascos descartáveis.

Informalidades. Filhas da crise e do desemprego, madrastas dos excluídos. Duras para quem se vê obrigado a se submeter. Cobiçadas pelos profissionais do vamos ver no que dá, dentre eles aqueles que sobem nos palanques e prometem milagres para tornar a informalidade menos informal. Como se isso resolvesse...

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Crônica - Personalidade plena

Lá pelo início da carreira, repórter iniciante da Folha de Londrina - daqueles que os mais velhos chamam de foca -, recebi uma pauta desafiadora: um evento sobre planejamento familiar.

Entenda: desafiadora porque repórter experiente faz cara feia quando é designado para determinadas coberturas. E evento é aquilo que se acompanha, não se investiga, não se fuça. A não ser que o profissional de jornalismo saia da pauta e procure, talvez na esquina próxima, um fato real que tenha a ver com o que é discutido lá dentro.

Nesse evento que fui designado veio um médico brasileiro lá do Nordeste, muito conceituado no Brasil e no exterior. Tremi. O que fazer diante de uma sumidade? E se eu não souber fazer as perguntas certas? E se o cara perceber a minha insegurança?

Telefonei para os organizadores e busquei o maior número de informações sobre o médico. Indaguei sobre os projetos que ele desenvolvia, a especialização e, aquela pergunta básica: por que ele é tão importante em sua especialidade?

Também com os organizadores consegui uma exclusiva. Cheguei meia hora antes e me estatelei num sofá do hotel onde seria realizado o evento. O médico foi pontual. Alto, magro e metido num terno preto, ele sentou-se a minha frente. Fomos apresentados e dali não tive dúvidas que estava diante da oportunidade de produzir uma boa matéria.

Sabe por que? A modéstia, a educação, a simplicidade daquele cara eram tão perceptíveis quanto o conhecimento que ele tinha em sua especialidade. Tratei com ele de um tema complexo, polêmico, muito importante. Me senti seguro no momento de fazer as perguntas e de escrever. Consegui colocar no papel num assunto científico de um jeito que o mais simples leitor pudesse entender.

Depois da entrevista, antes dele se dirigir à sala de reuniões, conversamos rapidamente sobre outros assuntos. O ombro do terno dele descia até pedaço dos braços. Quando cruzou as pernas vi nos pés daquele ilustre profissional um par de Vulcabrás. E me senti muito mais à vontade.

Voltei para a redação com a firme determinação de escrever um texto claro, objetivo, correto nas informações e acessível para todos. Aquele cara merecia ser mostrado tanto quanto os projetos que ele desenvolvia e as causas que ele defendia.

Eu consegui. E aprendi a escrever de um jeito simples, sem vícios, sem frescuras, sem esnobismo. Aprendi também a ser modesto e simples, a andar de acordo com as minhas capacidades, inclusive no jeito de vestir. Aprendi, enfim, a ser um jornalista.

sábado, 19 de junho de 2010

Crônica - A cara vermelha da mediocridade

Entre loira e polaca, a funcionária de uma repartição aparece lá dos fundos com o rosto corado e pergunta, rispidamente, para a pessoa que espera por atendimento:

- Qual é o problema?

É quase um grito. A pessoa fica assustada, pois, na verdade, ela não está ali para resolver um problema. Havia sido convocada para desenvolver um projeto de interesse de muitas outras pessoas. Então está ali para resolver um problema. Educada, ela se mantem em silêncio, ainda boquiaberta diante da surpresa. Só depois responde:

- Não, na realidade eu vim aqui porque me chamaram. Não há problema.

Mas a moça da cara corada, entre loira e morena, com os olhos claros disfarçando ira atrás das lentes transparentes de óculos redondos, prossegue com o tom grosseiro, os gestos indelicados e as evasivas dos inúteis, desta vez bronqueando com a colega de trabalho que aquele não era um problema dela.

Só ela fala. Com a cara corada, as lentes escondendo furor, os cabelos entre o loiro e o polaco presos para trás e um terninho escuro, mostra que tira aquele momento para escancarar sua personalidade, seu caráter e sua ética.

Tudo abaixo de zero. Numa escala entre o ridículo e o medíocre, ela ficaria com os dois. Mas a atendente pelo menos consegue provar que no mercado de trabalho, em qualquer que seja a profissão, há enganadores. Dentre eles, os que podem ter um conhecimento mínimo da técnica, mas ignoram totalmente a boa educação.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Crônica - O catador de papel

Antes ele usava um terno preto. A camisa branca era fechada até o colarinho. Os cabelos, loiros e longos, caiam para trás lambuzados de gel. O seu meio de transporte era uma bicicleta, nem tão velha e nem tão nova. No bagageiro, sacos de papel catado na rua. No guidão, mais sacos de papel.

Passava pela rua Professor Samuel Moura, na Zona Oeste de Londrina, lá pelas sete da noite. Pontualíssimo. Com ou sem chuva. O terno preto perdendo o brilho, os cabelos crescendo, a pasta que os mantinha alisados rareando.

Depois ele trocou o guidão da bicicleta por um volante de carro. Não se sabe se aquele volante foi fruto de uma compra ou de uma permuta. Instalou uma buzina em forma de corneta e parecia feliz com a impressão de conduzir um carro movido a pedaladas. Saco de papel no bagageiro e presos no volante.

Um dia conversei com aquele homem. Sou cronista e tenho a conversa com as pessoas como um prazer e uma ferramenta de produção. O catador de papel foi simpático. Demonstrou muita vontade de conversar.

Eu queria daquele terno preto do passado. Teria sido resto de um tempo bom? Fiz rodeios para não entrar de impacto, amaciar e não assustar, pois eu havia ouvido uma história: ele teria trabalhado para uma pessoa muito influente da política antes de virar catador de papel. Era a versão que eu tinha.

O homem, educadamente, respondeu que tinha um terno preto que usou até acabar. Não disse mais nada e eu respeitei seu silêncio. Desisti de buscar um passado que ele preferia omitir.

Notinha - Curtíssima e raivosa

Ah, vão te catar! Abrir um site e ter que ler sobre a roupa que o Dunga usou durante o jogo contra a Coréia do Norte é o caos.

Não forcem no sensacionalismo, camaradas. Produzam com criatividade e critério. Isso torna o produto final mais sensato, inteligente e legível.

Se o Dunga vestiu errado? Deixem isso para as revistas de fofocas. Se querem publicar mediocridade, aguardem a nova edição do BBB.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Notonas - Será que o Brasil parou?

Os porteiros brasileiros

O Brasil já havia entrada em campo. A bola começava a rolar. Dei um tempo, apesar de ser um pedestre. Não era conveniente atravessar ruas londrinenses contornando veículos conduzidos por motoristas de olhos vidrados nos cabelos espetados de Dunga, o grande mestre.

Quinze minutos depois do apito do árbitro, autorizando o início da partida, deixei o escritório. Era um vazio na rua. No posto de combustível em frente, os frentistas, acomodados diante de um pequeno aparelho de tevê, vibravam mais com a folga do que com os lances do jogo.

Atravessei ruas de olhos fechados, passei por bares que instalaram telões e vi torcedores animados com o colarinho nos copos. Ninguém grudava a cara na imagem exibida. Ninguém ouvia o Galvão Bueno dizer que o que estava ruim era muito bom. Ou viceversa.

Mais adiante encontrei o porteiro de um estacionamento. Expressão de tristeza. Será que era por falta de uma televisão? No ponto de ônibus algumas trabalhadoras, esperando a condução que não vinha. Cara de ansiedade. Mas não de saber do jogo. Pressa de chegar em casa.

Foram trinta minutos de caminhada. No meu prédio, o porteiro fez cara de solidão quando eu cheguei. Sem tevê e sem rádio, ele teve a sorte de não ter que se enervar por 90 minutos. Eu tive o segundo tempo e tremi de medo da derrota.

Comemoração inteligente

Desceram dois carros do Corpo de Bombeiros meia hora depois de encerrado Brasil e Coréia do Norte. Sirenes ligadas, pedindo passagem aos veículos cujos motoristas comemoravam com buzinaços e barberagens. Indício de que alguém descuidou na comemoração.

Teimosia idiota

Aliás, na saída de um supermercado, o motorista guarda as compras no porta-malas. Sem largar a latinha aberta de cerveja. No banco de trás, os filhos, crianças, esperavam pelo pai bebedor.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Curtas - Na veia, sem dó e nem sutilidade

Entre uma garfada e outra, misturei capítulos de novelas com chamadas do noticiário. Engoli comerciais, bebi anúncios de refrigerantes, apreciei ofertas de roupas e de financiamentos de carros. De repente...

Tudo isso hoje, uma segunda-feira, dia 14 de junho de 2010. Imaginei ter saído do tempo, viajado para o futuro. Talvez a fome tivesse batido mais forte no estômago e afetado a sã consciência. Será? Na verdade, o almoçou foi um sorvete de oitenta centavos, apesar do inverno. A refeição, ligeiríssima, foi feita no centro de Londrina, onde faz calor onde o sol se faz forte e sente-se frio sob as árvores e na sombra dos prédios.

Então lembrei-me da necessidade de alguma coisa com sal. Dei mais uma garfada, misturada a mais um capítulo da novela de início de noite, com mais anúncios de roupas, carros, móveis, ímóveis, aparelhos eletrônicos, refrigerantes e cervejas. De repente, de novo...

Não era fome e nem necessidade de sal. Por isso conferi o calendário: 14 de junho de 2010, segunda-feira. Tudo certo na folhinha. Então o que era aquilo que eu vi por duas vezes na tevê? Propaganda eleitoral?

O texto falava das bolsas famílias no Paraná. Valores e quantidade de pessoas beneficiadas. Poderia ser um informe, um fique sabendo. Mas apareceu um deputado federal do governo federal, possível candidato à reeleição. Depois apareceu uma pretensa candidata. E ambos discursaram. O tom foi de "hei, você ai, me dá o seu voto..."

Leigo que sou em legislação eleitoral, ainda assim entenderia como propaganda um simples informe com o uso de pretensos candidatos a cargos eletivos nas eleições de outubro. Mas o que se viu foi sem piedade. Coisa parecida com peça de campanha eleitoral.

Assim, sem entrar o mérito do certo ou do errado, neste período que antecede a campanha eleitoral de 2010 - ainda estamos nos segredinhos do Dunga, o que eu questiono é se teriam o direito de invadir a minha casa no começo da noite para fazer sensacionalismo sobre obrigações que teriam que ser feitas no silêncio.

Além disso, me tiram o sabor das garfadas e o sonho de um carro novo, uma televisão enorme, refrigerante entupindo a geladeira e roupas de grife alimentado pelos comerciais da televisão. É um absurdo imaginar que eu engulo mais esta, senhor governo federal.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Realidade nua e crua - Vale tudo na luta pela sobrevivência



O que eu faria se trabalhasse no comércio e o patrão pedisse para pintar a cara de verde e amarelo e ficasse na porta da loja tocando uma corneta? Dilema e polêmica.

A resposta seria fácil se estivessemos em um país de relações justas de trabalho. Se eu fosse vendedor, diria ao patrão que a minha função é outra. Recomendaria, se fosse o caso, a contratação de uma pessoa especializada na arte de chamar a atenção do consumidor. Um ator, por exemplo.

Esse profissional especializado faria aquilo que está dentro do seu quadrado. Pintaria a cara de um jeito interessante, vestiria roupas adequadas para formar um figurino, saberia quando e como fazer barulho com a corneta, improvisaria falas convenientes para a ocasião e faria, inclusive, as pessoas pararem para assistí-lo.

A loja, por outro lado, mereceria a simpatia do público. Desse meio poderiam surgir potenciais consumidores de cornetas, camisetas, bonés, copos, cadernos, apitos, viseiras, meias e tudo o mais que foi produzido com as cores da seleção brasileira de futebol.

Mas falamos lá em cima em dilema e polêmica. Um dos motivos: uma loja do centro de Londrina determinou aos atendentes que chamassem os fregueses com o barulhaço das cornetas. Vendedor de balcão, legalmente falando, não tem que fazer isso. Tem é que vender bem com as ferramentas que dispõe: mercadoria interessante, preço convidativo, condições de pagamento aceitável e, o principal, o domínio da arte de vender. Isso não inclui se fantasiar e fazer barulho.

O segundo motivo: poluição sonora, numa cidade onde os decibéis deprimem. São roncos de motos, carros com som estourado na cara da polícia de trânsito, ônibus gemendo na subido, propagandista de loja gritando no microfone e muito mais. Ah, falamos no propagandista de loja. É uma categoria profissional distinta, nada a ver com vendedor. Embora saibamos que em determinados estabelecimentos o próprio dono pega o microfone e tenta invadir esse quadrado, com voz, pronúncia e português precários.

O terceiro motivo. Ou melhor, a situação lá no emprego, num mercado de trabalho apertado e sufocante: o empregado é obrigado a se submeter. Talvez porque essa submissão doa menos do que ter que chegar em casa sem emprego e descobrir que nem todo o sindicato é um sindicato. A igreja, por acaso, teria uma pastoral do desempregado? Existe algum grupo de apoio, inclusive na área da psicologia, para acolher a pessoa desempregada?

Não é preciso mais argumento. Está explicado. A copa, infelizmente, permite exceções. A foto foi extraída a partir de ferramenta de pesquisa do Google.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Registro - Por um Paraná mais limpo




Dois momentos do ato público da noite de terça-feira, 8 de junho de 2010, no Calçadão de Londrina. Neles, a presença da igreja na luta contra a corrupção, com o representante da comunidade Católica e dos Evangélicos. Faltou espaço, não por culpa da superlotação. O local onde o ato foi realizado é que dificultou para o público. Atrás do palanque, um marco nada saudável: os restos de um quiosque recentemente destruído, sem que nada ainda tenha sido feito. Projetos e promessas podem se perder ao vento.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Crônica - Eu vou plantar couve, mulher



Lá pelos idos de antigamente Vanuso conseguiu um emprego na prefeitura da cidade onde morava. Na repartição onde teve que se apresentar para entregar a documentação e fazer o exame médico, informaram ao dito cujo que ele seria um coveiro.

"Ótimo!" - pensou o crioulinho. "Lidar com horta é comigo mesmo." Vanuso era um apelido irônico, mas ao mesmo tempo carinhoso que os amigos deram. Na época, uma grande intérprete da música popular brasileira fazia sucesso nas rádios não somente pelo talento e pela voz, mas também pela beleza. A cantora era de um loiro extraordinariamente dourado. Ao que parece, eram tons naturais da pele e dos cabelos. Bem ao contrário do Vanuso que conseguiu emprego de coveiro.

Mas isso não vem ao caso, é apenas um detalhe. O fato é que o emprego empolgou o homem, que não via a hora de chegar em casa e contar para a mulher e os filhos que estava empregado. Melhor ainda: numa vaga que aproveitava o seu conhecimento com a agricultura.

Papéis preenchidos, entrevistas feitas e exame médico entregue no departamento de pessoal, lá foi Vanuso, correndo para o bairro onde morava. A pé, o percurso levava uns quarenta minutos. De tão apressado, Vanuso cumpriu o trajeto em trinta e três e meio, se é que o ponteiro de minutos do relógio, um tanto solto, não havia trepidado em trecho de mais solavancos. Lá do portão feito de balaústra ele gritou:

- Mulher, eu vou trabalhar na agricultura. Fui contratado como coveiro da prefeitura.

Foi aquela festa. A molecada fez até a lista de necessidades: estojo novo para fulano, bola de capotão para uso geral, bolsa comprada no bazar da esquina e assim por diante.

Três dias depois Vanuso se apresentou na repartição, que deu o endereço de onde ele iria trabalhar:

- Este endereço é aqui no centro...

- Sim, uns quarteirões adiante. Nem precisa esperar o carro que vai levar o pessoal para longe. Segue aqui, dobre ali e contorne à direita. Vai dar de cara...

Vanuso seguiu a orientação e chegou ao endereço. Caiu na portaria do cemitério municipal. Lá estava o administrador, para quem Vanuso perguntou, indignado:

- Mas como eu vou plantar couve aqui no cemitério? O senhor me explica.

Entre hilárico e desaforado o administrador foi na jugular:

- Homem, o senhor foi contratado como coveiro, e não couveiro. Plantar couve só no quintal da sua casa. Aqui o senhor vai cavar para enterrar morto.

Dito isto deu a pá para o novo subordinado, que por anos trabalhou com zelo, dedicação e respeito aos falecidos e seus parentes.

Esta crônica foi extraída de um caso real. Entrevistei Vanuso anos atrás e fiz uma reportagem com ele, publicada num jornal daqui de Londrina. Vanuso, a quem tenho muito admiração, trabalhou por muito tempo no Cemitério São Pedro e depois eu o vi, há um bocado de anos, no Cemitério Padre Anchieta. Ele já estava com os cabelos branquinhos, quase iguais aos da Vanusa cantora.

domingo, 6 de junho de 2010

Convocação Geral - Todos no Calçadão

Todos no Ato Público de terça-feira, 8 de junho de 2010, no Calçadão de Londrina. Às 18 horas.

"Vamos mostrar a nossa indignação com a corrupção e os desvios de dinheiro público na Assembléia Legislativa do Paraná!" - convoca folheto da OAB-Londrina e da Acil.

Aliás, não só lá, como também aqui e em Brasília. Hora de parar a hibernação e tomar atitudes sérias e concretas, valendo inclusive para as eleições de presidente da República, senadores, governadores, deputados federais e deputados estaduais.

Chega de clientelismo!

Mais detalhes no www.novoparana.com.br

sábado, 5 de junho de 2010

Crônica - Com os pés firmes no chão e a cabeça no seu devido lugar



Sou neste momento um torcedor apático. Não comprei verde e amarelo, com a firme convicção de que o fato de não ter contribuido gastando em mercadorias com as cores da seleção brasileira de futebol nada tem a ver com alguma reação de debilidade do meu patriotismo. A minha brasilidade está segura sem as cornetas, as camisas, os bonés e outros apetrechos colocados no comércio e difundidos com entusiasmo interesseiro pelos meios de comunicação de massa.

É que decidi não entrar nessa onda e até desligo a tevê quando as equipes de jornalismo das diferentes emissoras ultrapassam o limite do tolerável para vender paíxão, uma coisa que não se comercializa.

Qual é a cor da cueca do Dunga? Que comidinha a mamãe prepara para o craque? Como é o corte do cabelo da namorada do boleiro que esquenta o banco? Será que tem clima de guerra entre os torcedores na fronteira? As empresas vão dar folga aos trabalhadores nos horários dos jogos?

Ah, vão te catar... Essas sondagens matam. São repetitivas a cada quatro anos. Enervam, pois percebe-se os olhinhos dos empresários de comunicação brilhando e refletindo cifrões, na medida em que se produzem matérias de interesse dos patrocinadores.

O que mais falta explorar num momento deste? Aquilo que ninguém quer tocar, a ferida. Mas as minhas cores não desbotam. São verde, amarelo, azul e branco. São as cores do meu sentimento de cidadão brasileiro.

Cores que me lembram que estamos num país de desempregados, de miseráveis, de pessoas sem oportunidades, de distribuição de renda escancaradamente desigual. Isso é discurso? Depende de quem avalia. Para mim, é uma realidade. Enxerga-a quem se conduz com descência, dignidade e ética, o que é muito raro na política e na vida pública. Sente-a quem tem a coragem de ser honesto, o que costuma ser precário nos jornais.

Se vale um apelo, que seja este, simplório mas verdadeiro: por favor, não usem a tentativa do hexa para fechar mais ainda os olhos de quem já está culturalmente morimbundo.